Título: DISPUTA ENTRE OS EXILADOS EM MIAMI
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Fonte: O Globo, 03/08/2006, O Mundo, p. 35

Grupos radicais e moderados tecem planos para eventual morte de Fidel

MIAMI. Em meio à tamanha euforia, que em certos momentos beira a insanidade, dentro da imensa comunidade cubana de Miami, vem crescendo uma disputa entre pólos opostos: o formado por velhos exilados radicais e o composto por filhos de moderados e nascidos nos Estados Unidos.

Entre os primeiros há planos mirabolantes. Como a preparação de barcos para uma flotilha que, segundo a estratégia, seria enviada a Cuba nos próximos dias para buscar parentes e amigos. Alguns, inclusive, falam em ir até lá para, junto com os dissidentes, inflamar a população e impedir uma transição de Fidel para Raúl Castro.

A movimentação é explicitamente endossada por estações de rádio da comunidade, como a Mambi e a La Cubaníssima. Em seus noticiários Fidel é sempre mencionado como ¿o tirano de Cuba¿ e seu irmão é apresentado como ¿o sanguinário Raúl Castro¿.

¿ Estamos preparando nossos barcos e aviões para, possivelmente, enviar um contingente a Cuba para se unir com o movimento interno. Queremos chegar lá e ajudar de toda a forma que pudermos ¿ contou Ramón Saúl Sánchez, líder do Movimento Democracia.

Prefeitura de Miami tem planos de contenção

Alarmado com a possibilidade de os ânimos exaltados fugirem do controle, especialmente se em algum momento se confirmar a morte de Fidel, o prefeito Manny Díaz, já determinou à polícia local uma revisão completa no ¿Plano de Controle de Multidões¿. Além disso ele tem feito freqüentes alertas via rádio e televisão, dizendo que a Guarda Costeira tem um esquema de bloqueio duplo: de um lado, evita o tráfego de embarcações da Flórida em direção a Cuba (elas serão apreendidas e seus tripulantes indiciados); de outro, impede que cubanos que se arrisquem a deixar seu país por contra própria cheguem aos EUA.

Até mesmo parlamentares da Flórida engrossam tal estratégia. O deputado Lincoln Díaz-Balart, sobrinho da primeira mulher de Fidel Castro, lançou uma convocatória dirigida aos dissidentes que vivem em Cuba:

¿ Chegou o momento de instigar um movimento nacional de desobediência civil para protestar contra a transferência de poder de Fidel para seu irmão. É hora de os militares cubanos não atirarem mais contra quem faz protestos pacíficos. O regime de Fidel está historicamente morto e ele, se ainda estiver vivo, está apodrecendo.

Moderado, Joe Garcia, diretor da Rede Democrática Nacional, outra entidade de cubanos exilados, criticou a iniciativa:

¿ Entendo essa convocação, mas é muito fácil exigir, de Miami, alguma ação lá em Cuba. É uma posição muito fácil e possivelmente irresponsável.

Outra voz da ala moderada se levantou ontem. A de Ana Menendez, 36 anos, representante da nova geração ¿ a dos cubano-americanos nascidos nos EUA. Colunista do jornal ¿Miami Herald¿, ela publicou um artigo com um forte apelo à sensatez, lembrando que chegou a hora de reconstruir relacionamentos em nome do bem de Cuba.

¿Primeiro, a retórica do ódio e da amargura precisa morrer com Fidel. O tempo está superando todos os velhos demagogos. Registrar a dor e o terror do regime de Castro não concede licença para abraçar o complexo de vítima¿, escreveu ela. ¿O que acontece agora em Cuba não diz respeito aos EUA, apesar do conto de fadas condescendente do governo Bush chamado `Plano Cuba¿. O futuro de Cuba diz respeito ao povo cubano. E é exatamente assim que deve ser. Não é transição nem reparação: o que deve nos preocupar imediatamente em Miami é reconstruir as relações que a política da paranóia e da vingança muito fizeram para destruir de forma tão persistente.¿

Alfredo Mesa, porta-voz da Fundação Nacional Cubano-Americana, a entidade dos exilados com maior influência em Washington, engrossou o coro:

¿ De modo algum convocamos o povo cubano a se revoltar. Nossa tarefa não é ditar ou dizer aos cubanos o que fazer pois, no fim das contas, quem vive lá é que sofrerá as repercussões do que aqui fizermos. Eles têm de ser mais cuidadosos do que nós ao reagir às notícias (de uma eventual morte de Fidel).