Título: Reformismo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/08/2006, O GLOBO, p. 2

Houve um rechaço quase geral à idéia da Constituinte exclusiva para a reforma política, levantada pelo presidente Lula. Foram apontados obstáculos jurídicos pertinentes, como a eventual inconstitucionalidade; apontados inconvenientes políticos, como a inclusão de outros temas, e foi também exercitado o apriorismo do tipo ¿vem de Lula, soy contra¿. Se não serve esse método, que se discuta outro. Imperioso é fazer alguma reforma.

O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, foi quem reagiu mais fortemente: ¿É chavismo¿. Mas ele defende mudanças que coincidem em tudo ou quase tudo com os pontos defendidos, por exemplo, pelo ministro Tarso Genro, que certamente não diverge do presidente Lula. Bornhausen é autor de boa parte dos projetos aprovados pelo Senado, que, chegando à Câmara, depois de negociados, resultaram no parecer do deputado Ronaldo Caiado, relator da Comissão Especial. O candidato tucano Geraldo Alckmin acredita que o próprio Congresso fará a reforma ¿ embora até hoje nunca tenha mostrado tal disposição. Alckmin encarregou o deputado Moreira Franco de organizar uma equipe de alto nível para elaborar seu projeto de reforma política. Desse grupo farão parte o sociólogo e ex-ministro Francisco Weffort e os cientistas políticos Bolívar Lamounier, Amaury de Souza e Gaudêncio Torquato. São nomes proeminentes, mas eles não devem apresentar nada muito diferente do que já foi proposto, pela razão simples de que o diagnóstico já está claro.

A cláusula de barreira ajudará a reduzir o número de partidos. Com tantos, não há presidente que faça maioria nas urnas nem que possa construí-la sem barganhar. Mas é preciso criar mais exigências de fidelidade e disciplina. Não dá para continuar com o voto nominal praticado hoje ¿ com os candidatos buscando o voto por atributos pessoais (ou será na falta deles?) e não no partido, valendo-se ainda do clientelismo alavancado pelas emendas orçamentárias. A divergência está em adotarmos as listas fechadas com voto proporcional, ou combiná-las com o voto distrital para metade das cadeiras da Câmara, tal como na Alemanha. Todos são a favor do financiamento público de campanhas mas a população não gosta: na semana passada 73% dos internautas opinaram contra, em enquete do Globo Online. Há destinos mais nobres para o dinheiro público. Mas poderá ainda a população entender que as campanhas já são financiadas com nosso dinheiro ¿ seja ele o que escorre para as campanhas em forma de caixa dois ou através da corrupção, seja ele pela renúncia fiscal que paga o horário eleitoral. Sem falar no fundo partidário, que já ficou de bom tamanho. Será preciso ainda revolucionar a forma de fazer o Orçamento e acabar com a farra de cargos comissionados na administração pública.

Se há tanta convergência entre os cardeais, por que a reforma não sai? Porque não sairá de um Congresso interessado na perpetuação das regras que levam à reprodução dos mandatos. Uma Constituinte exclusiva, à qual não pudessem concorrer os deputados e senadores eleitos em outubro, poderia quebrar o vício corporativo, incorporar sangue novo. Mas se a idéia não reúne consenso, nem tem que ser discutida. Em algum momento talvez ainda seja adotada por força de circunstâncias mais difíceis, mas isso é mera premonição. Se a opinião pública segurar a bandeira do reformismo político, eles vão se entendendo sobre a fórmula. Sem isso, vão continuar divergindo sobre o óbvio.

A raiva e a fome

A oposição está irritada, embora reine o otimismo no comitê de Geraldo Alckmin. O nervosismo é regional e tem explicação: valendo-se das emendas e de recursos federais, petistas e aliados cooptaram prefeitos tucanos e pefelistas. Prefeitos são cabos eleitorais que valem ouro. Ontem o PT anunciou o apoio de dois prefeitos pefelistas, uma na Bahia, outro no Rio Grande do Sul.

O senador Tasso Jereissati, que fez dois discursos contra Lula esta semana, acusando-o de promover corrupção eleitoral, conta o caso do Ceará. O deputado mais votado lá deve ser José Nobre Guimarães, cujo assessor foi preso com os dólares na cueca. Há deputados da oposição quase desistindo da candidatura.

Emendas sempre foram usadas para atrair aliados, no Congresso e nas eleições, diz o estudo divulgado anteontem por Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação dos Municípios. Na era FH, o PT era o menos contemplado dos partidos. Na era Lula, o PSDB fica em penúltimo lugar na lista de liberações, só perdendo para o PSOL.

¿ Mas o que está havendo agora é compra de voto no atacado. Os prefeitos estão fechando pacotes ¿ diz o senador.

Vai para a forca

A situação do petista José Airton Cirilo no escândalo das ambulâncias ficou insustentável. Diante de provas incontestáveis de que recebeu propina da máfia sanguessuga, até no PT já se discute sua expulsão. O que se tenta a todo custo é a blindagem do ex-ministro Humberto Costa.

MOREIRA FRANCO desistiu da candidatura a deputado mas no comitê de Alckmin é chamado de ministro Moreira. Tem mais gente recebendo esse tratamento por lá.

O EX-FUTURO presidenciável do PSC, Rogério Vargas palpita sobre a reforma política: nem pelo Congresso nem por miniconstituinte, mas por plebiscito. O referendo talvez se aplique melhor ao caso. O eleitor não é obrigado a saber escolher entre coisas tão técnicas como um voto distrital e um proporcional. Para isso, elege representantes.

Eleições limpas

Um grande banco nacional selecionou pelo desempenho alguns deputados e lhes ofereceu uma doação de campanha. Tudo limpo, com recibo e cheque nominal. Mas outras empresas continuam pondo os candidatos no dilema: é pegar por debaixo do pano ou largar o rico dinheirinho.