Título: O PAPEL DO SENADOR É, COM UM PROJETO, IR LÁ BUSCAR VERBA¿
Autor: Lydia Medeiros e Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 04/08/2006, O País, p. 8

Candidata afirma que interesses eleitorais prejudicaram o estado

Depois de 20 anos na Câmara dos Deputados, Jandira Feghali tenta chegar ao Senado pelo PcdoB, em aliança com o PT. A candidata afirma que a experiência de seus mandatos lhe dão autoridade para ser uma ponte entre o estado e o governo federal. ¿O maior volume de recursos está em Brasília, não aqui¿, diz. Ela condena uma nova reforma da Previdência que corte aposentadorias e critica o uso de recursos da Saúde em projetos assistenciais. Se eleita, diz que proporá uma auditoria no programa de despoluição da Baía da Guanabara e a criação de fundos regionais com o dinheiro dos royalties do petróleo.

Qual a impressão da senhora sobre o envolvimento do Rio no escândalo dos sanguessugas?JANDIRA FEGHALI: É inaceitável. Honestidade não pode ser encarada como bandeira. É obrigação. Lamento que um terço da bancada do Rio esteja com o nome sob suspeição. Isso prova que precisamos revalorizar a instituição parlamentar. Não quero que isso signifique a falência de instituições republicanas que fazem parte da democracia, pela ação incorreta de uma parte dela. É importante para que as pessoas não desistam de participar politicamente do processo eleitoral. Precisamos fazer com que o olhar popular seja mais atento, fique de olho na história do candidato. Nessa eleição, a trajetória de cada um vai pesar muito. Como fazer isso?JANDIRA: O controle precisa se dar pela reforma política democrática, que reafirme a pluralidade dos diversos matizes da sociedade, centrada em três aspectos. O primeiro, ligado à corrupção, é o financiamento público. O segundo é o fortalecimento dos partidos. O terceiro, a fidelidade partidária. O Collor foi eleito sob o argumento de que ele era o não-político. A renovação despolitizada piora o Congresso. O voto tem que reafirmar a trajetória de quem seriamente tratou as questões públicas e políticas e retirar quem não fez, mas com olhar consciente. Votar com a cabeça, não com a barriga. Qual seria a marca de um eventual mandato da senhora?JANDIRA: Percebo grande desarticulação entre os municípios, o governo do estado e o governo federal. Essa costura política é um papel do senador, impedindo a partidarização das discussões e colocando os interesses do estado em primeiro lugar. Um exemplo é o setor naval, que é o setor econômico mais forte do Rio de Janeiro. A medida provisória que beneficiou o setor foi fruto de uma articulação minha. Os dois governos atuaram bem. Foi uma decisão política reerguer um setor estratégico para o país e para o estado. A crise da Saúde teve uma resposta do governo federal e participei dessa construção. A questão do pólo-petroquímico também. Com a bandeira da TV Digital, já estamos costurando com o governo federal uma reunião para fazer do Rio a capital do audiovisual. Por que há desarticulação?JANDIRA: Reconheço que a bancada não se articula de forma regular. Há parlamentares sem uma visão geral do estado. O mais grave é a permanente luta política entre os governos federal e estadual. A lista de investimentos federais no estado, neste governo, foi grande. O petróleo salvou a economia. Os investimentos em educação, nas universidades federais, ainda são limitados, mas existem. O pólo petroquímico vai mudar a realidade do Rio. Mas partidarizar as relações, tendo como foco as eleições, dificultou muito a relação nesses últimos quatro anos. Como superar isso?JANDIRA: O próximo governo do estado e o federal precisarão fazer uma costura permanente. É impossível que um estado que tem a Petrobras, o BNDES, 19 institutos de pesquisa e 26 universidades não se articule com as instâncias federais. Os royalties são uma fonte de recurso importante no estado. Mas há polêmica sobre seu uso. Se eleita, vai propor alterações?JANDIRA: Os critérios dos royalties são sempre um debate. Alguns municípios perdem para outros ganharem. Os royalties devem ser usados centralmente para desenvolvimento econômico e de infra-estrutura. Poderiam ser criados com os royalties fundos regionais no estado para fomentar o desenvolvimento econômico local. Gera emprego e qualidade de vida.Por que o estado vive uma situação econômica difícil? JANDIRA: A fusão do estado não se completou. A integração das macro-regiões não aconteceu. É a capital e todo o resto. Temos que pensar na integração sob a ótica da logística. A integração de verdade vai se dar na economia, na estrutura de transportes, nas políticas públicas de educação e saúde. Estou girando o estado e selecionando projetos como o pólo metal-mecânico, no Sul fluminense. Agregar o crescimento da pequena e média empresa no pólo de petróleo, no Norte fluminense. Temos projetos para a região serrana. A indústria têxtil precisa ser recuperada. Como o senador ajuda a viabilizar esses projetos? JANDIRA: O maior volume de recursos está no governo federal, não aqui. E é essa ponte que eu, mais do que qualquer outro, tenho capacidade de fazer. Tenho 20 anos de parlamento. Acumulei experiência e conhecimento da realidade que me dão hoje autoridade política e moral para fazer essa integração e essa defesa do estado no Senado. O papel do senador é, com um projeto regional na mão, ir lá buscar verba. Essa dependência dos recursos federais mostra a má situação financeira do estado. Como senadora, como atuaria para mudar isso?JANDIRA: É um problema que é mais daqui do que de lá (Brasília). A dívida com a União foi renegociada no começo do governo Garotinho. Num primeiro momento, o acordo não comprometeu grande volume de receitas líquidas, mas hoje precisa ser revisto. A arrecadação de ICMS vem caindo. Brasília pode discutir dívida e empréstimo. Só não acho que aí esteja a solução. Onde está ? JANDIRA: Aqui. Lá, vamos trabalhar por investimentos. Um senador tem de exigir o cumprimento da lei, facilitar o estado no que toca o problema do endividamento, mas essencialmente trazer investimento que gere desenvolvimento e emprego. No Rio, o dinheiro da Saúde é usado para políticas compensatórias, contrariando a Constituição. Como analisa esse desvio?JANDIRA: Não podemos botar em confronto vacina com prato de comida. É perverso. Só que há fundos de pobreza na União e no estado para as políticas assistenciais. Comer é saúde, mas há orçamento específico para isso. Estamos tentando regulamentar a emenda 29 da Constituição (que prevê verbas para a Saúde) para evitar distorções. No governo federal, recuperamos os recursos do Ministério da Saúde que foram para o Bolsa Família.A sociedade não fica confusa?JANDIRA: Essas informações tinham que estar mais claras. Precisamos criar mecanismos de controle da sociedade. Intimida a corrupção. O PCdoB a puniu pelo voto contra a reforma da Previdência. Qual será sua posição numa nova reforma?JANDIRA: Essa foi uma agenda incorreta do começo do governo Lula. Minha posição se sustentou em 25 anos de luta na Seguridade Social. Aquela foi uma reforma sobre o serviço público. Agora, se vier outra, vai ser do regime geral, que tem 63% dos beneficiários que ganham salário-mínimo. Nenhuma reforma da Previdência pode ser feita sob a ótica do corte de benefícios. O que mantém a Previdência bem é a economia em alta, a formalização do mercado de trabalho. É preciso recuperar o benefício dos aposentados acima de um salário-mínimo. O discurso do déficit da Previdência não existe. O orçamento da Previdência é o da Seguridade. São fontes plurais. A Previdência não parou porque recebe recursos do Cofins, da CPMF. A seguridade social é superavitária. Esse superávit poderia ser revertido para a Previdência. Qual sua avaliação sobre a política de Saúde do governo federal, apoiado pelo PCdoB? JANDIRA: O PCdoB é um aliado do presidente Lula e tem dado contribuições importantes. Mas também criticamos aquilo que consideramos importante mudar. Vejo aspectos muito positivos no governo Lula, que me levam a apoiá-lo de novo. Na Saúde, paramos de privatizar. Os recursos, em valor absoluto, cresceram. Em valor relativo, um pouco. Fizemos um certo esforço para cumprir a Constituição. Mas a Saúde é o melhor exemplo de integração dos diversos níveis de governo. Ainda há limitações no plano federal no exercício de fazer o SUS funcionar. Mas também no plano local. Seja no plano estadual, com má aplicação dos recursos, ou no municipal com a crise de gestão que seu deu na cidade do Rio, absolutamente inaceitável. Desvio de dinheiro na Saúde é homicídio qualificado. Todo o dinheiro desviado da Saúde é morte na ponta da fila. A questão da segurança será importante para o próximo Congresso. Qual sua proposta?JANDIRA: A prioridade é integrar os diversos níveis de governo, que não conseguem, pela partidarização permanente, sentar à mesa. Proposta boa de integração existe. Precisamos é botar os recursos e integrar diversas forças. Outro aspecto é o da prevenção. A repressão ao crime não se faz sem uma polícia organizada, preparada e bem paga. Os policiais não podem continuar morando onde moram, nem os agentes penitenciários. É preciso um projeto de moradias, como os militares têm suas vilas. Precisamos fazer com que o próprio Lula assuma a liderança desse processo da política de segurança. É uma política de Estado, que tem de integrar os diversos segmentos. A Guarda Nacional é um bom exemplo. Mas é preciso que uma liderança popular como o presidente possa de fato liderar esse processo de integração.Se eleita, como tratará a questão ambiental?JANDIRA: Temos aspectos muito graves nessa área, que precisam de recursos. A água precisa ser vista como questão de saúde. É estratégico salvar o Paraíba do Sul e o Guandu. O lixo pode ser uma atividade econômica importante não só na reciclagem, mas na geração de emprego e energia. E estou propondo uma auditoria externa no Programa de Despoluição da Baía da Guanabara.LEIA AMANHÃ: entrevista com o candidato do PP ao Senado, Francisco Dornelles