Título: KIRCHNER GANHA SUPERPODERES NA ARGENTINA
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Fonte: O Globo, 04/08/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 35

Com aprovação popular de 70%, presidente obtém no Congresso autorização para controlar sozinho o Orçamento

BUENOS AIRES. Apoiado em índices elevados de aprovação popular (em torno de 70%), o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, obteve ontem mais uma vitória. A Câmara dos Deputados aprovou, por 134 votos a 91, uma lei que dá ao presidente, de forma permanente, poderes para modificar o Orçamento nacional sem consultar os legisladores. A medida, já aprovada pelo Senado, era um desejo antigo de Kirchner que, com essa lei, ganhou ¿superpoderes¿, segundo a mídia argentina.

O presidente poderá agora gastar da forma que quiser o Orçamento anual argentino de cerca de US$4,5 bilhões. O esquema de dar ao líder este poder é aprovado freqüentemente na Argentina desde que o país voltou à democracia, em 1983, mas sempre por períodos de no máximo um ano. Os ¿superpoderes¿, por exemplo, foram usados durante a crise econômica de 2001-2002. Mas com Kirchner será a primeira vez que eles serão usados de forma permanente.

Para o presidente, que desde eleito (com meros 22% de votos em 2003) tem a seu favor o sucesso em fazer a Argentina voltar a crescer economicamente, a medida é essencial para que possa ¿levar o país adiante¿.

¿ Sem que tentem me travar, me cortar ¿ declarou.

Mas os críticos não pensam da mesma maneira e vêem a medida como uma forma de o presidente impor mais controle do Estado sobre a economia, além do que já conseguiu sobre o Judiciário.

¿ Isso está contribuindo para o fim de nossa República ¿ disse a deputada de oposição Elisa Carrió, que votou contra a lei.

O presidente rebateu no Congresso, antes ainda da votação:

¿ Alguns patifes chamam essa lei de superpoderes. Mas ela é essencial e eu preciso do apoio de vocês.

Os deputados debateram a lei durante 11 horas antes de decidirem pela aprovação. A sessão plenária começou na tarde de quarta-feira e estendeu-se até a madrugada de ontem.

Empresários mostram-se descrentes com a lei

Desde que o projeto ingressou no Senado argentino, onde havia sido sancionado no último dia 13 de julho, Kirchner aproveitou todos os discursos públicos para agilizar a aprovação.

Apesar da aprovação, os empresários demonstraram descrença em relação à lei. Numa pesquisa realizada pela agência inglesa Reuters, no mês passado, 94,7% disseram não acreditar que os superpoderes beneficiariam a economia. Somente 5,3% disseram que sim.

Afirmando que o projeto prejudicaria o princípio democrático da divisão de poderes, um empresário declarou que, ¿além da economia, os superpoderes não beneficiarão nem as instituições argentinas¿.

Para Daniel Kerner, analista para a América Latina do Eurasia Group Consultants, com sede em Nova York, Kirchner vai aproveitar os superpoderes para fazer campanha por sua reeleição. A votação está marcada para outubro do ano que vem.

¿ Ele tem agora uma ferramenta poderosíssima para destinar verbas atreladas a necessidades políticas, o que é essencial para manter uma sólida coalizão de governo e controlar o partido peronista.

Em outra batalha legislativa este ano, Kirchner conseguiu que o Congresso aprovasse reformas no Conselho da Magistratura (responsável pela nomeação de juízes) ¿ o que, para os críticos, deu poderes perigosos a Kirchner sobre o Judiciário.