Título: SOB O FANTASMA DO MENSALÃO
Autor: Alan Gripp e Raquel Miura
Fonte: O Globo, 06/08/2006, O País, p. 3

A dois meses das eleições, partidos dizem ter arrecadado apenas 3,68% do previsto

Pelo menos oficialmente, os principais candidatos à sucessão presidencial completam hoje o primeiro mês da campanha eleitoral de torneiras secas. Na primeira prestação de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os comitês de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT) declaram ter arrecadado até aqui R$7,3 milhões. O valor representa apenas 3,68% da previsão total de gastos apresentada à Justiça Eleitoral no início da corrida eleitoral pelo quatro candidatos ¿ R$199 milhões.

À exceção de Heloísa Helena, que diz não aceitar contribuições de empresários por questão ideológica, os demais candidatos reclamam que os doadores tradicionais, justamente os empresários, estão com medo de embarcar na campanha depois do mensalão, das confissões de caixa dois e do escândalo dos sanguessugas.

As empresas, segundo os coordenadores de campanha e arrecadadores de doações, alegam temer desgastes ao associar sua imagem aos partidos políticos, em meio à enxurrada de denúncias de corrupção. A cautela aumentou após as novas regras eleitorais, que exigiram dos partidos duas prestações parciais de contas pela internet antes das eleições. A primeira deve ocorrer hoje, e a próxima, no dia 6 de setembro. A prestação final das contas de campanha deve ser apresentada à Justiça Eleitoral depois das eleições.

¿ Não está fácil. Há uma inércia no setor empresarial. As promessas já não eram tão boas e a entrada real de dinheiro está pior ainda. Poderíamos ter até R$20 milhões, mas estamos longe disso ¿ diz o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), coordenador da campanha de Alckmin.

PSDB recebeu R$1,3 milhão

Apesar de a estimativa de arrecadação do candidato tucano ser de R$85 milhões, até agora o partido declarou ter recebido apenas R$1,3 milhão em doações (1,5%). A campanha, segundo a coordenação, já está no vermelho: os gastos até aqui já teriam superado em R$500 mil o valor arrecadado.

Segundo Guerra, nenhum fornecedor deixou de receber até agora. Mas ele diz que a falta de recursos fez com que o partido só distribuísse boa parte do material de campanha para os comitês do Nordeste na quinta-feira, véspera do lançamento do programa de governo de Alckmim para a região, crucial para suas pretensões.

O PT foi o partido que declarou maior arrecadação: R$5,8 milhões (6,5% do total estimado). Mas a campanha de reeleição do presidente Lula não encontrou a mesma recepção de 2002. Semana passada, empresários de São Paulo que decidiram apoiar o petista deixaram claro que ficarão de fora da arrecadação de dinheiro para a campanha.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), foi escalado para percorrer o país atrás de contribuições. Recentemente arrancou promessas de empresários da Zona Franca de Manaus, mas eles avisaram que a liberação dos recursos depende de aprovação dos conselhos administrativos dos principais grupos.

Na declaração entregue ao TSE, o PT informou que gastou R$4,2 milhões e tem em caixa cerca de R$1,56 milhão. Segundo o partido, o maior gasto foi com publicidade e produção de programas e jingles: R$2,3 milhões.

PDT e PSOL declararam ao TSE arrecadações modestas: R$150 mil e R$85 mil, respectivamente. Cristovam Buarque recebeu doações de três empresas ¿ entre elas R$50 mil da BMG Prestadora de Serviços Ltda. ¿ e de quatro pessoas físicas. Segundo a coordenação de campanha, os doadores têm projetos ligados à educação, bandeira do pedetista. Ele diz que há um medo generalizado das doações e acusa:

¿ Muitos empresários estão com medo de sofrer represálias do Executivo se doarem para adversários do governo.

Já o dinheiro conseguido pelo PSOL saiu exclusivamente das doações de militantes e simpatizantes, diz o partido. Os oito parlamentares do partido no Congresso, incluindo Heloísa Helena, também se comprometeram a fazer uma contribuição mensal de R$5 mil para custear parte das despesas com a produtora responsável pelo programa de TV da candidata, num total de R$50 mil.

O coordenador da campanha do PSOL, Martiniano Cavalcanti, disse que a decisão de não aceitar contribuições de empresários é política e conta com o apoio de todos os integrantes do partido.

¿ Heloísa Helena não vai andar de jatinho. Esta é uma maneira de dar garantia aos eleitores de que não estamos transitando em áreas nebulosas em tempos de mensaleiros e sanguessugas ¿ afirma ele.

¿Estamos num novo cenário¿

Para o cientista político Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco, já era esperado que os candidatos tivessem maior dificuldade para conseguir dinheiro nestas eleições.

¿ Estamos num novo cenário, por isso os empresários estão primeiro observando como será a postura e a fiscalização da Justiça Eleitoral. Eles também aguardam uma melhor definição dos candidatos para saber quais terão realmente chances de vitoria ¿ afirma Zaverucha.

Octaciano Nogueira, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), diz que, apesar das mudanças, os empresários, principalmente do setor financeiro e os grandes grupos industriais, não ficarão fora da campanha eleitoral.

¿ É claro que as empresas vão doar, vão participar das eleições. Principalmente os grandes grupos que doam inclusive para mais de um candidato. Eles sempre fizeram isso e vão continuar fazendo. O problema são aquelas empresas que têm alguma relação com o governo, fornecem algum tipo de serviço, e as que sempre doaram ilegalmente, por meio de caixa dois. Essas empresas estão muito mais cuidadosas ¿ afirmou.

Pelas novas regras, a prestação de contas dos candidatos será divulgada pela internet, no site (www.tse.gov.br) do TSE. Nas duas declarações antes das eleições, eles devem informar o valor arrecadado e onde o dinheiro foi gasto. Mas não ficam obrigados a divulgar nomes dos doadores. Esta lista só deve ser apresentada na última prestação de contas, um mês depois do pleito.

Apesar das mudanças, há quem diga que elas não são suficientes para impedir a prática do caixa dois.

¿ Isso não adianta de nada, é peça de ficção. Sem os nomes dos doadores, o dinheiro vai continuar circulando pelos subterrâneos e não há nada a fazer ¿ critica o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Webber Abramo.

(*) Da CBN, especial para O GLOBO