Título: ESCÂNDALOS ACIRRAM POLÊMICA SOBRE VOTO NULO
Autor: Cássio Bruno e Paulo Autran
Fonte: O Globo, 06/08/2006, O País, p. 14

Jovens fazem campanha na internet mas especialistas alertam que anular não ajuda a melhorar a política

O estudante de biologia Felipe Silva, de 22 anos, nunca deu um voto de confiança a políticos. Desde 2002, quando compareceu às urnas pela primeira vez, ele anulou todas as opções de escolha de candidatos. Segundo Silva, a intenção do protesto é canalizar a insatisfação popular com recentes escândalos da política brasileira ¿ como o do mensalão e o dos sanguessugas ¿ numa organização social.

¿ Queremos uma política além do voto. Não vou abrir mão do meu direito. Só quero que a sociedade participe de debates ¿ afirma ele.

Silva faz parte do Comitê Pró-Voto Nulo em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, que vem realizando há seis meses assembléias e atos públicos para discutir o tema. Ao todo são 20 integrantes. Nas manifestações, exibem faixas, cartazes e painéis sobre corrupção e política, distribuem folhetos à população e colhem assinaturas para uma moção de repúdio à política atual no país.

Mas é na internet que as manifestações para que o eleitor anule o voto ganharam maiores proporções. No site de relacionamento orkut, por exemplo, é possível encontrar cerca de 530 comunidades abordando o tema, com milhares de participantes. Em geral, os integrantes pregam que, se o número de votos nulos for de 50% mais um dos válidos, a eleição será anulada, o que não é verdade.

¿ Podemos nos movimentar e gerar uma política que supere a questão do voto. O voto nulo é um aviso de que já basta. Queremos chamar a sociedade para discutir e construir alternativas ¿ diz Rafael Viana, de 22 anos, do Comitê Pró-Voto Nulo.

¿ A política é um meio que perdeu a sua autonomia. O cara (político) pode até ter boas intenções. Só que, quando chega ao poder, vê que o buraco é mais embaixo. O presidente Lula achou que um dia poderia dar jeito (no país) e viu que não era tão fácil assim ¿ completa Alexandre Ramos Guerra, de 19 anos, que também é do Comitê Pró-Voto Nulo.

No Rio, além dos escândalos envolvendo parlamentares, a decepção com o presidente Lula e a insatisfação com a governadora Rosinha Garotinho também estão influindo no crescimento do movimento pró-voto nulo, segundo cientistas políticos. Não por acaso, a última pesquisa Ibope realizada no estado (de 22 a 24 de julho) mostra que as intenções de voto nulo ou em branco chegam a 23% para o Senado ¿ bem mais do que Jandira Feghali, que tem 8% e é a candidata com maior intenção de votos.

Para o governo do estado, segundo a pesquisa, se a eleição fosse hoje, os votos em branco e nulos alcançariam 17%, empatando com a porcentagem de votos do segundo colocado, Marcelo Crivella (PRB). Para a Presidência, o Ibope apontou que 14% dos eleitores fluminenses anulariam ou votariam em branco. Já na pesquisa nacional divulgada sexta-feira pelo instituto, esse índice no país está em 9%.

Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um grupo de amigos resolveu discutir o tema na comunidade Meu Voto É Nulo!!!, criada recentemente, a reboque da máfia dos sanguessugas.

¿ Participei de duas eleições e nunca havia anulado. Só que não vi diferença alguma na política nesse tempo. Por isso, a partir de agora vou anular sempre. Acho que podemos mudar alguma coisa, pelo menos chamando a atenção dos parlamentares ¿ diz Jacob Daniel Jabbour Neto, de 22 anos, criador da comunidade na internet.

O estudante de arquitetura Wilher de Oliveira Barbosa Júnior, também de 22 anos, é outro que resolveu contribuir para a manifestação e confeccionou camisas pró-voto nulo.

¿ A gente tem que se conscientizar de que o voto nulo é um protesto contra as roubalheiras que estão aí. Até agora nenhum candidato mostrou algo de concreto. Se para o eleitor não há candidato preparado, vote nulo ¿ prega Júnior.

Na última semana a polêmica foi parar na MTV. Entidades estudantis acusam a emissora de fazer campanha a favor do voto nulo, por exibir vinheta com uma recomendação aos telespectadores: ¿Preparem o saco e os tomates porque vem aí a inútil e marqueteira propaganda eleitoral¿. A vinheta levou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello, a declarar, na página da União Nacional dos Estudantes (UNE) na internet: ¿Quando uma concessionária pública prega isso, presta um desserviço¿.

¿ O que nos preocupa é que já existe um sentimento de negação da política brasileira pelas diversas ondas de corrupção e máfias, o que afasta ainda mais os jovens. Uma campanha como essa é perigosa, porque abre espaço para políticos que querem enriquecer. Eles ganham mais campo para se eleger. Sem contar que você perde toda a esperança de tentar mudar a situação ¿ diz o presidente da UNE, Gustavo Petta.

O presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Thiago Franco, acrescenta:

¿ Nosso problema não é com a opinião da emissora. Ela pode ter qualquer uma. Mas se trata de uma concessão pública. Embora eles digam que a mensagem da campanha não é essa, na prática, é ¿ diz Franco.

O diretor de programação da MTV, Zico Goes, nega que a emissora esteja fazendo campanha pelo voto nulo. Segundo ele, a vinheta é uma mensagem de indignação, de raiva, diante da conjuntura política.

¿ A intenção é a do voto consciente. O jovem precisa dessa discussão. Se continuarem tolerantes, a situação ficará assim para sempre. A impunidade vai continuar, e o Congresso não será renovado ¿ diz.

Goes adianta que serão exibidos outros 15 vídeos com a participação de VJs da emissora, que pregarão o voto consciente. Além disso, haverá um programa, a partir do dia 15, quando começa a propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio, com bandas que produziram letras de conteúdo político.

COLABOROU: Elenilce Bottari