Título: Sem emprego e sem esperança
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 06/08/2006, Economia, p. 35

Estatísticas desconsideram 2,7 milhões que desistiram de buscar uma colocação

São 2.739.905 pessoas que gostariam de trabalhar, estão disponíveis para isso mas nada fizeram para conseguir um emprego. Essa população de trabalhadores inativos ¿ só nas seis principais regiões metropolitanas do país ¿ supera o universo de desempregados que, em junho, somavam 2,3 milhões, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE. Se, de uma hora para outra, esse contingente resolvesse sair em busca de uma vaga no mercado de trabalho, a taxa de desemprego oficial do país, medida em Rio, São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador, subiria dos 10,4% atuais para 20%.

Esses trabalhadores fazem um dos principais indicadores da atividade econômica flutuar. Para se ter uma idéia, 391.669 pessoas (ou 14,2% do total dessa população) estão aguardando resposta de alguma entrevista. Se o resultado for negativo e todos se somarem à força de trabalho ¿ voltaram a procurar emprego ¿ a taxa de desocupação passaria para 11,9%.

¿Se estão aguardando resposta, a ação para achar colocação existiu. Isso acaba disfarçando um pouco o número do desemprego. Mas há o lado positivo. Se eles voltarem ao mercado indica que a economia está melhorando, que há mais oportunidades ¿ disse Cimar Azeredo, gerente da PME. Ele cruzou os números da pesquisa, num levantamento inédito feito a pedido do GLOBO.

¿ Quando o mercado de trabalho melhora, as pessoas voltam a procurar. A tendência é que muitos voltem ou como ocupados ou como desempregados ¿ explica João Saboia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ e um estudioso do mercado de trabalho.

Falta de dinheiro faz parar a procura

Outras razões afastam esses trabalhadores do mercado. Um dos mais importantes é a falta de dinheiro. São 64.908 pessoas que pararam de procurar uma vaga por dificuldades financeiras. Foi esse motivo que levou Monique Evelin Silva Picanço, de 21 anos, a parar de buscá-la. Desempregada desde 2003, conseguiu nesse período apenas uma vaga temporária numa loja no período natalino. Há um mês parou de procurar. O gasto com transporte, cópias dos currículos e com fotos ficou alto.

¿ Está muito difícil. Sou professora formada e tenho curso de informática, mas ninguém aceita sem experiência. Tive que parar de procurar por enquanto.

Apesar de morar com o pai e o irmão, a situação financeira da família é precária. Contam apenas com R$120 que o pai ganha num trabalho temporário e algumas ajudas:

¿ Ele está desempregado há cinco anos. Contra ele, tem a idade.

A falta de dinheiro para procurar emprego é uma realidade mais comum no país do que se imagina, diz o economista Claudio Dedecca, professor da Unicamp. Ele lembra que em países desenvolvidos, como a Alemanha por exemplo, os sistemas públicos de emprego distribuem tíquetes para condução:

¿ Chega-se a gastar até R$8 por dia com transporte. Isso dá para comprar cinco quilos de arroz, três de frango. Quando a situação aperta, a pessoa pára de procurar. Isso se nota muito no carnaval e no Natal, quando a procura diminui e a taxa de desemprego cai. O gasto normalmente é infrutífero nessas épocas do ano ¿ diz o economista.

Mais de 53 mil voltam a estudar

A dificuldade para encontrar uma vaga acaba levando trabalhadores a optarem pelo estudo, para mais tarde voltar ao mercado mais preparado. Eram 53.610 pessoas nessa situação em junho. Nesse grupo inclui-se o economista e advogado Marcio Bianco. Aos 37 anos e com MBA em Finanças desistiu de procurar uma vaga na sua área. A fuga das empresas financeiras do Rio para São Paulo afastaram as vagas para Bianco:

¿ Resolvi tentar outra carreira. Agora estudo para tentar entrar no serviço público. Vou tentar concurso para o Ministério Público, Defensoria. Parei de procurar.

A situação de Bianco difere um pouco do estudante clássico que quer trabalhar. Normalmente, segundo Dedecca, esperam uma oportunidade, mas não vão para rua à procura de uma vaga.

O desejo de trabalhar, mas a frustração constante de não conseguir qualquer vaga levou 68.767 pessoas a desistirem de procurar. Esse grupo é o mais preocupante para Saboia. É o desalento clássico, para quem a esperança realmente acabou.

E o percentual desses inativos que desejam trabalhar muda conforme a região. Onde há mais informalidade, a taxa é menor. Enquanto no Rio, região onde o trabalho informal é maior, apenas 8,3% são inativos que podem e querem trabalhar. Em São Paulo, a taxa sobe para 15,7%.

MULHERES, CÔNJUGES E INSTRUÍDOS FORMAM O PERFIL DESSES INATIVOS, na página 36