Título: O FIM DO CASTRISMO, O FIM DE FIDEL, PARECE CHEGAR¿
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 06/08/2006, O Mundo, p. 48

Especialista em América Latina não descarta hipótese de guerra civil em Cuba em caso de morte do líder

MADRI. Autor de diversos livros sobre a América Latina, o argentino Carlos Malamud, de 55 anos, não acredita que a comunidade internacional desempenhe um papel-chave no processo de transição cubana. Pesquisador do Real Instituto Elcano, Malamud opina que o Partido Comunista e as Forças Armadas manterão autonomia para tomar qualquer decisão no caso da morte de Fidel. E analisa que a Venezuela, ao mesmo tempo que tem capacidade para ajudar economicamente na permanência do regime castrista, também poderia se transformar num aliado político incômodo.

É a primeira vez em 47 anos que Fidel Castro delega o poder. O fim da Cuba castrista se aproxima?

CARLOS MALAMUD: O fim da Cuba castrista dependerá das características do processo. Mas o fim do castrismo, o fim de Fidel, sim, parece chegar. O que acontece é que sabemos muito pouco sobre o que ocorreu. Para as incógnitas principais não temos respostas: se ele vai se restabelecer, quanto tempo isso demorará, e se, estando recuperado, terá condições de reassumir o poder.

Raúl seria um Fidel II?

MALAMUD: Esta é outra incógnita. Muitos sustentam que Raúl é mais ortodoxo. Durante a juventude, Fidel não era comunista, e Raúl sim. Há quem diga que Raúl seria muito mais ortodoxo, inflexível. Mas, por outro lado, também se diz que Raúl é um entusiasta de uma abertura econômica dentro dos modelos chinês ou vietnamita.

Além de Raúl, quais nomes devem estar sendo cogitados para a sucessão de Fidel?

MALAMUD: Carlos Lage (vice-presidente do Conselho de Estado), Felipe Pérez Roque (ministro de Relações Exteriores) e Ricardo Alarcón (presidente do Parlamento). Mas os fenômenos de transição têm dinâmica própria. A velocidade das mudanças pode ser tão grande que o desenlace é imprevisível.

O período de transição em Cuba começou?

MALAMUD: Estão dizendo que é um ensaio geral. Mas transições não têm ensaio geral. As dinâmicas sociais são imprevisíveis. Ninguém sabe o que acontecerá quando Castro morrer. Se, por exemplo, o poder de contenção e de coesão das forças políticas, militares e repressivas do regime cubano vai ser suficiente para conter as mobilizações sociais. E se vai haver mobilização.

Em caso de morte de Fidel, poderia haver guerra civil?

MALAMUD: Pode-se cogitar diferentes cenários: algo parecido, embora não me pareça provável, à sublevação popular na Romênia de Nicolae Ceaucescu; ou uma guerra civil, que não descarto mas também não vejo como uma opção muito possível. Vai depender de muitos fatores como, por exemplo, se o Partido Comunista e as Forças Armadas estão verdadeiramente coesos e se existirá a vontade política de reprimir a população.

Quem fará a transição? Haverá intromissão internacional e, em especial, dos EUA?

MALAMUD: Os protagonistas serão os atores internos: o Partido Comunista, as Forças Armadas, a Igreja Católica e a dissidência. Os atores externos, tais como os EUA, Venezuela ou os exilados em Miami, terão seu peso, mas serão secundários.

Nos dois últimos comunicados de Fidel, ele fala de "agressão inimiga", referindo-se aos EUA, e afirma que as "Forças Armadas e o povo" estão preparados para defender o país. O senhor acha factível que os EUA tomem Cuba militarmente?

MALAMUD: De maneira nenhuma. Isso faz parte da retórica do regime: o estado de sítio permanente, a ameaça constante por parte do imperialismo americano.

O senhor descarta, então, uma intervenção?

MALAMUD: Descarto. A não ser que se chegue a uma situação de guerra civil e, aí sim, decidam intervir. Mas, se não houver um intenso grau de conflito, não acredito.

Qual o papel da comunidade internacional neste momento de incertezas e durante uma possível transição?

MALAMUD: Agora, nenhum. Durante a transição, a comunidade internacional pode ter um papel secundário, de apoio aos que defendem a democratização da ilha.

Fidel e seu regime sobreviveram a dez presidentes americanos e ao fim da URSS. O regime é capaz de seguir adiante, em Cuba, sem Fidel?

MALAMUD: Pode ser. Certamente o sucessor tentará dar continuidade a um castrismo sem Fidel. Mas o regime comunista cubano foi construído em torno da figura de Fidel e considera de real importância o personalismo no governo. O que foi vendido como uma revolução socialista acabou se transformando num processo unipessoal, no qual o povo desempenha um papel secundário.

O apoio de Hugo Chávez pode ser importante para a manutenção do castrismo?

MALAMUD: Chávez, com os milhões de dólares de seu petróleo, pode sustentar o regime. Mas a aliança com a Venezuela não é vista com bons olhos por membros ortodoxos do governo cubano.

Por quê?

MALAMUD: Porque, comparada a Cuba, a Venezuela é uma espécie de paraíso democrático. E isso pode ser prejudicial para o regime castrista no momento que os cubanos comecem a reivindicar as mesmas liberdades.