Título: JOGOS DE GUERRA EM MESAS CUBANAS DE MIAMI
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 06/08/2006, O Mundo, p. 48

Entre comunidade exilada, sobram idéias para derrubar regime, faltam coesão e planos para desenvolvimento do país

MIAMI. Mais do que em qualquer outro momento nas últimas quatro décadas, uma revolução vem sendo tramada com apaixonada disposição nos últimos dias nas mesas do Restaurante Versailles, o quartel-general dos grupos de exilados cubanos no bairro de Little Havana, em Miami. O grande problema é que, como sempre, há uma revolução em cada mesa, embalada pelo aroma dos charutos e das fumegantes xícaras de café. Em cada uma delas se discutem planos segundo interesses particulares. Inexiste ainda uma coordenação das alas da comunidade ¿ a não ser um projeto de restauração de Havana concebido por um grupo de arquitetos independentes.

¿ A verdade é que gritam muito, esbravejam, praguejam, e não apresentam um plano político-econômico concreto e coeso ¿ disse Juanita Castro, irmã de Fidel Castro.

Divergências mesmo entre os que querem uso da força

Juanita vive na cidade há 42 anos e, apesar de torcer pela queda do regime, já desistiu de participar desses jogos de guerra de frágil coerência. Sobram idéias, táticas, estratégias. Todos parecem saber ¿o que¿ fazer, mas não ¿como¿ fazê-lo. As propostas são díspares. A impressão que se tem, ao ouvi-las, é que ao longo dos 47 anos da revolução fidelista os exilados sonharam com o momento da volta por cima, mas não se prepararam para os seus desafios.

¿ Estamos testemunhando agora um novo capítulo na história cubana. E peço a Deus para que tenhamos a disciplina e o bom senso de pisar levemente. Será que, pelo menos uma vez na vida, poderemos finalmente agarrar essa chance e torná-la uma oportunidade em vez de um fiasco? ¿ perguntou, angustiada, Silvia Wilhem, que se auto-define como ¿uma veterana espancada e esfolada pelas guerras ideológicas de Miami¿.

Há de tudo um pouco. De um lado, por exemplo, duas ¿entidades guarda-chuvas¿, que amparam grupos menores que só vêem uma saída: o uso da força. Uma delas, Fórum Patriótico Cubano, diz repudiar ¿qualquer conversa com a quadrilha criminosa castrista¿. E, portanto, prega um golpe de Estado ou uma invasão. A outra, a Unidade Cubana (UC), sustenta algo semelhante e conta, entre seus membros, com um grupo de aventureiros: o Alpha 66, que todo domingo faz exercícios militares perto de Miami e garante ter capacidade de promover sabotagens dentro de Cuba. Certamente não é coincidência o fato de Ernesto Díaz, vice-presidente da UC, ser também o secretário-geral daquela milícia paramilitar:

¿ Estamos nos preparando para agir por conta própria. Não queremos intervenção dos Estados Unidos ou outros. Trata-se de um problema nosso, só nosso ¿ disse Díaz.

Já a Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA) sugere a instalação de um governo transitório cívico-militar, que prepare o caminho para a democracia. Mas não esclarece como obter tal fim. Jorge Mas Santos, presidente da entidade, propõe uma saída pretensiosa: evitar a transmissão de poder de Fidel para o seu irmão Raúl Castro. O problema é que ele não explica como fazer isso. Seria necessária uma intervenção dos EUA. Mas não há indícios de que o presidente George W. Bush, já sobrecarregado pela situação em Iraque, Líbano e Irã, esteja disposto a assumir um quarto risco. Os EUA têm um plano para Cuba. Mas ele parece ser comedido, pouco audacioso, além de unilateral ¿ sem o tempero da comunidade exilada:

¿ Eu me pergunto se Washington está preparado para lidar com uma situação tão imprevisível quanto incerta, e potencialmente confusa, a apenas 145 quilômetros de Miami ¿ disse Michael Shifter, analista do Inter-American Dialogue, centro de estudos políticos em Washington.

O plano dos EUA está em mãos de um grupo de discreta denominação: ¿Comissão para a Assistência a uma Cuba Livre¿. Ele se baseia num documento de 500 páginas moldado num esquema aplicado, ainda sem êxito, do outro lado do mundo. Trata-se do plano de reconstrução do Iraque. Só que no caso de Cuba a verba é raquítica: apenas US$80 milhões para dois anos.

¿ O que não está claro nesse esquema é se os EUA buscam um corte drástico com o passado, ou uma sucessão que permitiria utilizar algum aspecto do que tem sido implantado há pouco mais de 40 anos ¿ disse Damián Fernández, cubano-americano que dirige o Instituto de Pesquisa Cubana, na Universidade Internacional da Florida.

Bush já nomeou um responsável pela implantação de um plano que, na verdade, ainda é genérico. Caleb McCarry é o nome do encarregado. Ele diz o óbvio: implantar a democracia e o mercado livre, dar assistência médica, combater a pobreza, e reformar drasticamente (via expurgos) as Forças Armadas.