Título: IMPRESSÕES DE UM REPÓRTER NO PALÁCIO DO PLANALTO
Autor: Lydia Medeiros
Fonte: O Globo, 05/08/2006, O País, p. 12

Ex-assessor de Lula relata 40 anos de jornalismo

Um homem teimoso por natureza, que cultiva o hábito de reclamar como que por esporte, com dificuldades para admitir os próprios erros, mas dono de uma rara intuição política e de uma grande afetuosidade com os amigos. Esse é o Lula que emerge das páginas de ¿Uma vida de repórter ¿ Do golpe ao Planalto¿ (Companhia das Letras, 336 páginas, R$46), do jornalista Ricardo Kotscho, um amigo de três décadas do presidente. Das greves do ABC paulista no final dos anos 70 à chegada ao Palácio do Planalto, a trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva foi seguida de perto pelo repórter que se tornaria seu amigo, assessor em três das quatro eleições presidenciais que disputou e secretário de imprensa na Presidência da República.

Em outubro de 1978, Kotscho recebeu a missão de ¿colar¿ no líder sindical. Ao saber que teria companhia, Lula reagiu: ¿Ah, mais um barbudinho intelectual da USP pra me encher o saco¿.

Com uma carreira coroada por prêmios e passagens pelos mais importantes órgãos de imprensa do país, em dezembro de 1988 Kotscho passou a integrar a equipe da primeira campanha de Lula para presidente. Naquela jornada, que levou o candidato do PT ao segundo turno contra Fernando Collor, um dos momentos mais tensos foi o último debate, realizado na TV Globo. Lula estava exausto e enfrentou um adversário confiante. Ao sair da emissora, Lula previu para Kotscho: ¿Perdemos a eleição. Eu me senti como um lutador sonado¿.

Na campanha seguinte, estariam juntos em mais uma derrota. O Plano Real, lançado em 1994, foi condenado pelo PT. Kotscho discordou, baseado no que via nas ruas: o povo gostou. Em 1998, o jornalista ficou fora da eleição. Mas em 2002, não resistiu aos argumentos de Duda Mendonça: ¿Agora que vamos ganhar, você vai ficar de fora? Vai ficar com fama de pé-frio¿.

A quatro meses da eleição de 2002, Kotscho descreve um Lula diferente daquele a que se habituara. Empolgado com a possibilidade real de vitória, Lula, conta o autor, ¿havia até parado de reclamar da imprensa, um de seus esportes prediletos¿.

Na passagem pela Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência, Kotscho viu episódios corriqueiros se transformarem em crise. Foi assim em 2004, com a reportagem do correspondente do ¿The New York Times¿ no Brasil Larry Rother, que mencionava o gosto do presidente por bebidas alcoólicas. Kotscho foi dos poucos a discordar da decisão de Lula, revertida, de expulsar Rother do país.

A medida, segundo o autor, fora incentivada pelo ministro Luís Gushiken e pelo porta-voz André Singer. Kotsho conta que o ministro e o porta-voz leram para Lula a tradução da reportagem, ¿interpretada com ênfase nos trechos que faziam referências críticas ao presidente e a membros da família dele¿.

Pouco depois, o autor se envolveu num debate que se revelou desastroso para o governo, a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo. ¿Esse foi meu grande erro: no governo, você não pode apenas deduzir; tem que ter certeza¿, diz.

No final de 2004, Kotscho deixou o Planalto. Saiu antes das denúncias do mensalão. No pósfácio do livro, revela angústia e observa os efeitos da crise: ¿Lula reagiu com o fígado, o que é um veneno em política¿. Mas emenda: ¿Em nenhum momento senti Lula fraquejar. Ao contrário¿.

O livro, relato de 40 anos de profissão, será lançado no Rio no dia 7, às 19h, na Caixa Cultural (Teatro Nélson Rodrigues), no projeto ¿Sempre um papo¿, com entrada franca. ¿Jornalismo é uma arte muito simples: um repórter e um fotógrafo na rua, contando as histórias do dia-a-dia da vida¿, resume o autor.