Título: COPA, GREVE E FREIO NA INDÚSTRIA
Autor: Cássia Almeida e Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 05/08/2006, Economia, p. 33

Produção surpreende, cai 1,7% e faz analistas reverem para baixo PIB do 2º trimestre

Paradas para acompanhar os jogos da Copa do Mundo, interrupções programadas em plataformas de extração de petróleo, greve em montadoras e nível de estoque alto fizeram a produção industrial em junho cair 1,7% frente a maio, na maior queda em nove meses. A Pesquisa Industrial Mensal, divulgada ontem pelo IBGE, também mostrou recuo na comparação com junho do ano passado: o corte na produção de 0,6% fez a taxa nos últimos 12 meses ceder para 2% (em maio ficara em 2,6%). No primeiro semestre, a produção industrial acumulou alta de 2,6%.

O recuo de 1,7% de maio para junho surpreendeu os analistas, que esperavam redução próxima de 0,5%. O resultado já está levando a alterações nas projeções para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas geradas no país) no segundo trimestre. A expectativa caiu para entre 0,5% e 1,1%. Antes da divulgação do resultado, as previsões giravam entre 1% e 1,5%. Contudo, as projeções para o ano permanecem perto de 4%.

- Esperávamos até uma acomodação da produção diante da alta constatada em maio (de 1,6%), mas a magnitude da queda mostrou que não foi mera acomodação. Em 755 itens pesquisados, 58% tiveram a produção reduzida, mostrando que é um movimento espalhado - explicou Silvio Sales, coordenador de Indústria do IBGE.

Especialistas vêem 2º semestre melhor

Apesar de mais intensa do que o previsto, a queda na produção em julho não acende qualquer sinal de alerta, acredita Solange Srour, economista-chefe da Mellon Global Investments Brasil. Para ela, a indústria ainda opera num patamar de estabilidade, com perspectiva de alta nos resultados de julho. Ainda assim, ela reviu suas projeções para a alta do PIB do segundo trimestre em relação aos três meses anteriores - de 1,3% e 1,4% para 1,1%.

- Os números de julho devem mostrar reaquecimento na atividade industrial. O que se viu, em junho, não é uma tendência. O setor sentiu, por exemplo, os efeitos da Copa do Mundo: houve paralisações durantes os jogos, reduzindo o número de dias úteis em junho.

Segundo Solange, a indústria não deve, a curto prazo, reajustar preços - conforme indicado nas últimas sondagens da Fundação Getulio Vargas (FGV).

- Há concorrência muito forte com os importados, e os indicadores de demanda não estão tão aquecidos a ponto de permitir que os preços subam. Os empresários podem até ter intenção de reajustar, mas não acredito que isso se concretize - opina Solange.

Alexandre Maia, economista-chefe da GAP Asset Management, tem a mesma percepção de Solange. A perda de junho deve ser compensada com mais produção neste semestre. Assim, não fez mudanças para o comportamento do PIB este ano: prossegue com alta entre 3,5% e 3,7%. Para o segundo semestre, subiu suas projeções para entre 4% e 4,5%. No segundo trimestre, porém, reduziu suas previsões anteriores entre 1% e 1,3% para 0,5% e 1%.

- A produção de papelão (termômetro da atividade econômica) em julho foi boa. A tendência é a produção crescer no segundo semestre, com o efeito defasado da queda de juros e eleições - disse Maia.

Um dos motivos da queda da produção em junho foram as paradas programadas nas plataformas. O setor de bens intermediários, que recuou 1,9% em junho, foi afetado principalmente pela extração de petróleo, que caiu 4,3%.

No segmento de veículos, a greve ajudou a reduzir em 4,6% a produção frente a maio. Já as exportações menores em volume afetaram a fabricação de celulares. A queda atingiu 32%. Assim, o grupo bens duráveis, no qual estão os celulares, produziu 4,3% menos.

- Apesar da alta na balança comercial, no volume a alta no ano foi de apenas 2%. Em junho, houve até queda de 0,2% - disse Sales.

Furlan: 'dólar ideal é o pote do arco-íris'

E as indústrias mais exportadoras, que em 2003 e 2004 ficaram bem acima da média do setor, este ano estão produzindo um pouco abaixo. A média no ano foi de 2,6%, enquanto as exportadoras avançaram 2,3%. Em 2004, enquanto a indústria crescera 8,3%, a produção dos exportadores tinha aumentado 9,9%.

A economista Giovanna Rocca, do Unibanco, lembra que a atividade industrial é volátil. E, por isso, o Banco Central não deve se basear apenas na produção de junho para conduzir a política monetária do país.

- O cenário está positivo quando se pensa em crédito e emprego, por exemplo. E a indústria se recupera em julho, trazendo números positivos. Diante desse quadro, esperamos mais três quedas de 0,25 ponto percentual na Selic na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do BC). O que faria a Selic fechar 2006 em 14% ao ano - disse Giovanna, que também alterou as projeções do PIB no segundo trimestre frente ao primeiro (de 1,15% para 0,7%, 0,8%).

O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, minimizou a queda de 1,7% da produção industrial em junho. Segundo ele, os negócios tanto do comércio quanto da indústria ficaram "praticamente paralisados" nos dias de jogos do Brasil na Copa do Mundo, o que teria puxado para baixo os números de junho.

- A produção acompanhou a demanda - disse ele, depois de participar de seminário promovido pela Câmara Americana de Comércio.

Furlan acrescentou que os dados da indústria em julho e agosto já mostram resultados "bem mais alentadores". Segundo o ministro, as perspectivas de estabilidade da economia criaram um ambiente propício a novos investimentos.

- Deixamos de ter entraves externos e isso estimula investimentos, produção, emprego e crescimento - afirmou ele.

Perguntado sobre qual o câmbio ideal para o país, o ministro respondeu que o "o dólar ideal é sempre o pote do arco-íris":

- Quando estamos chegando perto, ele muda de lugar.

COLABOROU Aguinaldo Novo