Título: GOVERNO INCLUI ESTÍMULO A AÉREAS E CAPITALIZAÇÃO DO BNDES NA MP CAMBIAL
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 05/08/2006, Economia, p. 34

Pacote permite que exportadores deixem 30% de sua receita no exterior

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO. Os exportadores não foram os únicos beneficiados pela medida provisória (MP) 315, que tornou a legislação cambial mais flexível, permitindo a manutenção no exterior de 30% da renda auferida com as vendas a outros países. O governo aproveitou o texto, publicado ontem no Diário Oficial da União, para capitalizar o BNDES, aumentando o poder de financiamento da instituição, e reduzir a carga tributária para as empresas aéreas, incentivando a ampliação de frotas em um momento que o setor cresce e se reorganiza com o encolhimento da Varig.

A MP autoriza o BNDES a negociar com o Tesouro Nacional uma dívida antiga, que poderá passar a ser considerada capital híbrido no cálculo do patrimônio de referência do banco, fazendo com que ele suba de R$24 bilhões para R$31 bilhões. Segundo o presidente do BNDES, Demian Fiocca, na prática, a medida vai permitir que o BNDES aumente seu volume de financiamentos a grandes grupos como Petrobras, Embraer e de outros setores como o de siderurgia, petróleo e papel e celulose, já que, pela legislação bancária, uma instituição só pode emprestar para uma mesma companhia até 25% do valor do seu patrimônio de referência.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que o governo decidiu "pegar uma carona na MP" e incluir o BNDES porque "a questão não é controversa e já estava prevista há muito tempo". Esta foi uma vitória de Mantega. Quando era presidente do BNDES, ele tentou mas esbarrou na resistência do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e de Joaquim Levy, secretário do Tesouro.

Outra novidade da MP é a redução de 15% para zero da alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para os contratos de arrendamento financeiro de aeronaves - aqueles em que no fim do período o avião é da companhia. No entanto, o benefício só será válido até 31 de dezembro de 2013.

Renúncia com CPMF deve ser de R$200 milhões por ano

Como já havia sido anunciado por Mantega, ficou definido que os empresários poderão manter no exterior 30% dos recursos obtidos com exportações, retroativamente a janeiro, para fazer investimentos, aplicações financeiras ou pagar dívidas. Segundo o ministro, o governo pode elevar, no futuro, essa parcela máxima.

- Vamos começar modestamente e depois, na medida do possível, elevar o patamar dependendo dos resultados encontrados - afirmou ele na manhã de ontem em São Paulo.

- Não estamos mais tão preocupados com ingressos (de moeda estrangeira) e vamos testando limites. Isso se torna um instrumento de política econômica e pode ser estendido (limite de 30%) - disse Paulo Vieira da Cunha, diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

No entanto, as empresas não poderão usar os recursos para conceder empréstimos. Isso porque, segundo a Receita Federal, poderia haver uma triangulação no exterior sem recolhimento de CPMF. Se uma empresa exportadora pudesse usar parte de suas receitas para fazer um empréstimo a outra que fosse importadora, por exemplo, não seria necessário movimentar recursos no Brasil para remeter dinheiro para fora do país, o que reduziria a arrecadação da CPMF. Com a MP, o governo só abre mão de cobrar a contribuição sobre os 30% que ficarão no exterior. Segundo cálculos da equipe econômica, esse valor deve chegar a US$19,5 bilhões, o que resultaria numa renúncia de R$200 milhões por ano.

COLABORARAM: Patrícia Duarte, Aguinaldo Novo e Ramona Ordoñez

COBERTURA CAMBIAL

Os empresários poderão deixar no exterior 30% do total de recursos provenientes de exportações para fazer investimentos, aplicações financeiras ou pagar dívidas. A medida é retroativa a janeiro deste ano, ou seja, os exportadores que fizeram seus negócios há até 210 dias e que ainda não trouxeram seus recursos para o país, poderão deixar até 30% lá fora. Os exportadores, no entanto, não poderão utilizar esses recursos para conceder financiamentos a outras empresas. Os valores não terão incidência de CPMF.

Fica extinta a cobertura cambial para contratos de exportação de até US$3 mil (ou seja, os recursos não precisarão ingressar no país).

PRINCIPAIS PONTOS DA MEDIDA PROVISÓRIA

CONTRATOS DE CÂMBIO

Os contratos de exportação serão simplificados. Não será preciso preencher mais uma série de formulários que hoje acaba deixando o processo de venda de produtos ao exterior mais lento. Além disso, numa mesma operação, os empresários poderão ingressar no país com as receitas de exportação e remeter parte do dinheiro para o exterior, com uma mesma taxa de câmbio.

REMESSAS DE LUCROS

O capital estrangeiro existente em empresas fixadas no Brasil, que entrou no país como empréstimo e foi transformado em investimento até dezembro de 2004, poderá ser totalmente registrado no Banco Central e, com isso, remetido para o exterior como lucros e dividendos. Hoje, por decisões antigas do Conselho Monetário Nacional, apenas parte desses recursos podia ser registrada no BC.

'FREE SHOPS'

Viajantes poderão fazer compras em free shops em reais. Até agora, qualquer compra só podia ser feita em dólares ou euros.

BNDES

O Tesouro Nacional fica autorizado a negociar com o BNDES uma dívida antiga da instituição. O débito passa a ser contabilizado como capital híbrido no cálculo do seu patrimônio de referência, que passará de R$24 bilhões para R$31 bilhões. Na prática isso capitaliza o BNDES, que poderá aumentar seu volume de empréstimos.

SETOR AÉREO

Fica reduzida a zero a alíquota (hoje de 15%) do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o arrendamento de aeronaves. O benefício vale para contratos feitos até 31 de dezembro de 2008 e será mantido até 31 de dezembro de 2013.

FISCALIZAÇÃO

A Receita Federal passa a ser responsável pelo acompanhamento das operações de exportação das empresas e por verificar se os empresários estão cumprindo a regra de deixar apenas 30% das receitas no exterior. O Banco Central vai apenas manter registros dos contratos de câmbio.