Título: BOLÍVIA INSTALA CONSTITUINTE AMANHÃ
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 05/08/2006, O Mundo, p. 43

Sem maioria, Evo Morales conta com pressão dos grupos populares para aprovar reformas

BRASÍLIA. A Bolívia, que desde a eleição de Evo Morales vem passando por reformas significativas, como a nacionalização das reservas de gás natural e petróleo, vive amanhã, em Sucre, um momento histórico: a instalação de uma Assembléia Constituinte que poderá mudar profundamente o país. Tudo vai depender da atuação de Morales e seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), e do mais do que necessário apoio incondicional dos movimentos populares, especialmente indígenas e camponeses.

MAS obteve somente 53% dos votos na eleição

Sem os dois terços que desejava para emplacar com mais facilidade as mudanças que pretende fazer na Constituição - o MAS obteve cerca de 53% dos votos - Morales conta com a ampla participação desses grupos para pressionar os constituintes. Os temas a serem debatidos e votados em um ano são variados e, em diversos casos, polêmicos: a expropriação de terras improdutivas; o fim da obrigatoriedade de ensino religioso nas escolas (idéia que bate de frente com a Igreja Católica); e o aumento da concentração do Estado em áreas estratégicas, como petróleo, telecomunicações e energia.

Todos concordam com a importância de uma Assembléia Constituinte neste momento. Mas alguns especialistas bolivianos, como o analista político Carlos Cordero, alertam para o que consideram os efeitos nocivos que a pressão de movimentos indígenas e outros grupos sociais exercerá sobre os constituintes.

- O governo vem dando sinais que atentam contra a democracia. A presença desses grupos em Sucre fere a soberania e a liberdade dos constituintes. Eles vão atuar como polícia ideológica.

Cordero também citou a "interferência direta" de Morales na eleição para a presidência da Assembléia. O presidente boliviano apóia, com veemência, o nome da indígena quéchua Silvia Lazarte para o cargo. Ela venceu a eleição no departamento de Santa Cruz, um dos distritos que mais sofreram com a emigração nas últimas décadas.

- Estamos nos aproximando de um modelo autoritário de democracia - afirma Cordero.

Para especialista, eleição de Morales já foi revolução

Para Jorge Lazarte, a Assembléia Constituinte é a maior aposta política do país. Ele acredita que a tarefa não será fácil - a Bolívia, por exemplo, é uma nação onde 80% das terras estão nas mãos de 20% de pessoas - e lembra que, se não houver cuidado, pode-se passar a idéia a investidores, por exemplo, de que há risco de quebra de contratos na parte econômica.

- Imagino uma Constituinte abrangente, que incluirá, entre outros itens, a forma do Estado, a discussão sobre autonomia dos departamentos, o sistema de representação política, o Judiciário e as áreas educacional e econômica.

Já Roger Cortez Hurtado, especialista em assembléias constituintes, ressalta que a Bolívia já vive um processo de mudança antes mesmo de rever a Constituição. A própria eleição de Morales - um aimara - foi uma grande revolução.

- Uma pessoa como Evo Morales ser eleita presidente tem impacto inquestionável na vida de milhões de bolivianos. Principalmente para os jovens, passa-se a idéia de que tudo é possível, de que a sina da submissão ao colonizador pode acabar - diz ele.

Em sua opinião, a Bolívia se converterá em um Estado multicultural, levando em conta as cerca de 40 etnias existentes no país.