Título: Prontos para invadir a ilha de Fidel
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Fonte: O Globo, 05/08/2006, O Mundo, p. 42

Formado por dissidentes, grupo paramilitar incrementa treinamentos em pântano nos arredores de Miami

MIAMI. Nas manhãs de domingo, enquanto as mulheres vão à missa, eles vestem fardas de camuflagem, botas de combate, apanham as armas e vão a um pântano na periferia de Miami para mais um treinamento. Eles se preparam há quatro décadas para invadir Cuba. E agora, com a notícia de que Fidel Castro está mal de saúde - alguns crêem que já tenha morrido - esse grupo paramilitar, o Alpha 66, está mais do que nunca entusiasmado.

- A nossa missão fundamental é, por um lado, estimular o povo cubano a criar um clima de desobediência civil generalizada. E continuar a preparação para o combate decisivo: uma intervenção militar. Talvez essa seja a única saída. Uma guerra civil em Cuba está hoje dentro das possibilidades - disse ontem ao GLOBO o poeta Ernesto Díaz, ex-preso político que passou 22 anos atrás das grades em Cuba e secretário-geral do Alpha 66 desde outubro de 2004.

A euforia do grupo com a possibilidade de uma iminente intervenção armada é tão grande que essa milícia de fim de semana, que diz ter dez mil homens, já está recondicionando as instalações de seu acampamento para acomodar mais gente. Muitos desses guerrilheiros do exílio jamais estiveram em Cuba. Nasceram nos EUA ou na República Dominicana, onde o Alpha 66 tem representação - além de sedes em Califórnia, Texas, Nova York e até Paris, segundo Díaz.

- Vamos oferecer treinamento militar a todas as entidades do exílio cubano. Isso é uma amostra concreta de unidade. Queremos todos preparados para o que der e vier - disse Díaz, também vice-presidente da Unidade Cubana, instituição que reúne vários grupos de desterrados.

As autoridades americanas aparentemente fazem vista grossa aos exercícios militares do grupo criado 44 anos atrás por antigos companheiros de guerrilha de Fidel Castro, que se desiludiram com a política implantada por ele depois da derrubada do ditador Fulgencio Baptista.

- Nós não fazemos terrorismo, e sim uma luta frontal contra o regime que vigora em Cuba - afirmou Díaz, revelando (sem detalhes) que militantes do Alpha 66 têm se infiltrado freqüentemente no país onde, segundo ele, cresce a cada dia um movimento de resistência "agora mais aberta e desafiadora".

A CIA (agência central de inteligência dos EUA) apadrinhou a criação do Alpha 66 em 1962. Alguns de seus militantes participaram, naquele ano, da fracassada invasão da Baía dos Porcos. Hoje tanto o Alpha 66 quanto a CIA negam manter agora qualquer tipo de cooperação.

Díaz, dono de uma empresa de pintura de imóveis, poeta laureado - membro honorário do PEN Club da França, da Inglaterra e dos EUA - diz ter participado de várias missões clandestinas a Cuba até 1968, ano em que foi capturado. Depois de 22 anos e meio na prisão, ele foi libertado graças a negociações diplomáticas confidenciais, feitas pelo primeiro presidente George Bush, pelo presidente da Costa Rica (e Prêmio Nobel da Paz), Oscar Arias, e pelo cardeal John O'Connor, de Nova York.

- A luta continua e, hoje, graças às notícias sobre a saúde de Fidel, as esperanças são maiores. Estamos vendo o princípio do fim, mas ainda é preciso fazer algo. Nossa expectativa é a de conseguirmos provocar um levantamento dentro das Forças Armadas, além de uma desobediência civil. Se os cubanos soubessem como são frágeis as estruturas do sistema de Fidel, Cuba já estaria livre há muito tempo. Uma greve geral resolveria tudo em poucos dias. Mas talvez seja preciso mesmo uma espécie de guerra civil - disse ele na sede do Alpha 66 em Little Havana, o tradicional bairro cubano de Miami.

Além dos preparativos militares, o grupo trata de incitar os cubanos nas noites de domingo, através do programa "A Voz do Alpha 66 - a Voz da Liberdade", transmitido pela Rádio Mambi, que tem potência suficiente para atingir Cuba. Díaz e seus seguidores acreditam que um movimento bem-organizado internamente faria com que, em cima da hora, o Exército cubano não disparasse contra a população:

- Os militares, afinal, estão sofrendo as mesmas privações econômicas que os demais cubanos - especula ele, esperançoso.