Título: ANDRÉ FRANCO MONTORO
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 08/08/2006, Opinião, p. 7

Franco Montoro completaria 90 anos no último dia 14. Um político que nos deixou um legado de honradez, comportamento ético, otimismo, seriedade e espírito público.

Havia nele também uma pitada de simpática ingenuidade, ao defender com tanto entusiasmo certas causas, sempre de interesse público, que, na aparência, pareciam de difícil concretização, posto que na época contra a corrente majoritária, como por exemplo o parlamentarismo.

Figura que merece ser lembrada, não apenas na saudade dos parentes e amigos, mas sobretudo porque, hoje, mais do que nunca, poderia servir de exemplo para boa parte da classe política, mais preocupada em extrair vantagens e benefícios próprios do que trabalhar para servir à comunidade.

Homem de ação, Montoro abraçou algumas campanhas que marcaram o cenário político nacional, como a das diretas-já. Liderou bandeiras simples na aparência, mas de grande alcance para a inclusão de todos no processo político: participação e descentralização, ação comunitária, horta popular. Todas elas valorizavam o ser humano, princípio básico de suas lutas políticas.

Democrata obsessivo, procurava a todos cooptar pelo convencimento e pelo debate, sempre colocando o Brasil acima de quaisquer outros interesses pessoais ou partidários.

Conheci Montoro nos idos de 64 quando, jovem diplomata, fui trabalhar em Brasília com outro grande brasileiro, o embaixador Wladimir Murtinho, na assessoria parlamentar do Itamaraty junto ao Congresso Nacional. Durante os 20 anos de autoritarismo, pude acompanhar de perto sua resistência nas trincheiras do Congresso e seu esforço para, dentro das limitações existentes, restabelecer as liberdades políticas e a democracia no Brasil.

Entre as muitas facetas desse homem público exemplar, gostaria de mencionar aquela que sempre me inspirou ao longo de minha carreira diplomática quando, galgando postos de comando, tive de escolher jovens colaboradores para me acompanhar em funções de chefia no Brasil e no exterior. Montoro tinha uma capacidade única para selecionar sua equipe, que se notabilizava pela competência e pela seriedade. O secretariado que montou ao assumir o governo de São Paulo surgiu como um sopro de renovação. Foi o responsável pelo lançamento na vida pública nacional de uma nova geração de técnicos e de políticos que, depois de trabalharem no governo do estado, continuaram a prestar relevantes serviços não só no estado de São Paulo, mas também em sucessivos governos federais.

Os filhos e amigos de Franco Montoro prestaram-lhe singela homenagem em missa recente celebrando seu aniversário. Nessa oportunidade, foram lembrados alguns pensamentos que Montoro não se cansava de repetir. Até em demasia, segundo alguns, mas como ele dizia, sempre para novas audiências que os estariam escutando pela primeira vez. Ou para maior convencimento de antigos ouvintes. Pensamentos que ajudam a entender melhor o professor, o político, o jurista e o estadista que tinha clara a visão do Brasil no contexto latino-americano.

¿ Quando sonhamos sozinhos, é só um sonho. Quando sonhamos juntos, é o começo de uma nova realidade.

¿ Se queres saber se estás no caminho certo, pergunte o que pensam de ti os pobres.

¿ Mais grave do que a miséria dos famintos é a inconsciência dos fartos.

¿ Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça.

¿ O importante é você se considerar um zé-ninguém a serviço de uma grande obra.

¿ Entre o forte e o fraco a liberdade oprime. É a lei que salva.

¿ Ninguém vive na União ou no estado. As pessoas vivem no município.

¿ Descentralizar é colocar o governo mais perto do povo e por isso torná-lo mais participativo, mais eficiente e mais democrático.

¿ As democracias modernas caminham para um presidencialismo participativo, que é a forma mais freqüente do parlamentarismo contemporâneo.

¿ Para a América Latina a opção é clara: integração ou atraso,

¿ É preciso substituir o paternalismo do governo pela participação ativa das comunidades.

Por sua força e atualidade, pareceu-me útil reproduzi-los neste momento de novas eleições e na esperança de que nem tudo está perdido. Temos de acreditar que exemplos como o de Montoro, que conseguiu fazer a síntese possível dos ideais democráticos, ainda possam influenciar os eleitores a promover uma tão necessária renovação no cenário político nacional.

Como escreveu Alceu de Amoroso Lima, saudades, Montoro.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).