Título: a comida sacia, mas a vida não muda sem escola, saneamento...
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Fonte: O Globo, 12/08/2006, Especial, p. 1

Em 40 municípios de três bolsões de pobreza, os repasses do Bolsa Família são maiores que os gastos federais com obras de infra-estrutura e compras de equipamentos

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Em três dos maiores bolsões de pobreza do Brasil, todo mês passa um trem que leva a ilusão da prosperidade. Mas ela dura apenas o suficiente para encher o prato de arroz e feijão. O trem parte e a vida das pessoas não muda. as famílias continuam sem saneamento básico, moradia adequada, acesso à educação e à as saúde de qualidade, e até sem energia elétrica em alguns casos.

Levantamento feito pelo site Contas abertas (www.contassabertas.coma>) em 45 municípios de alagoas, Minas Gerais e Piauí mostra que, em 40 deles, os benefícios pagos diretamente às famílias pobres foram mais altos que os gastos federais com obras de infra-estrutura e compras de equipamentos. O balanço analisou dados de três das regiões menos desenvolvidas do país: o Vale do Jequitinhonha, em Minas, área escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para mostrar a pobreza a seus ministros logo após a posse, em janeiro de 2003; o Médio Gurguéia, no sul do Piauí, perto de Guaribas, a cidade-símbolo do Fome Zero; e o alto sertão de alagoas.

Dos 45 municípios, segundo o Contas abertas, Novo Cruzeiro, em Minas, é o que recebeu mais recursos do Bolsa Família este ano e apresenta a maior diferença entre repasses para investimentos e transferência de renda. De janeiro a julho, o Bolsa Família repassou R$ 1,8 milhão para 4.131 famílias. Na categoria de investimentos, foram liberados apenas R$ 35 mil até o início de agosto. Ou seja, o gasto com Bolsa Família foi 53 vezes maior.

Francisco Badaró, também em Minas, recebeu a menor verba para investimentos: R$ 9 mil contra R$ 490 mil repassados a 1.100 beneficiários do Bolsa Família. Esse valor inclui também recursos dos quatro programas de transferência de renda que deram origem ao Bolsa Família e vêm sendo absorvidos por eles: Bolsa Escola, Bolsa alimentação, auxílio Gás e Cartão alimentação.

O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus ananias, acha ¿frágil¿ qualquer crítica que compare investimento em infra-estrutura com os gastos do programa. E questiona o próprio conceito de investimento:

O orçamento do Bolsa Família tem o tamanho da pobreza do país e do nosso compromisso em superá-la. O direito à vida é o valor mais importante. Nenhum país se desenvolve se o seu povo não estiver alimentado ¿ diz Patrus.

Segundo ele, é necessário dar o peixe e ensinar a pescar simultaneamente. Patrus disse que o desemprego é uma ameaça não só no Brasil, mas no mundo. No caso brasileiro, a situação se agrava a medida em que boa parte da população não teve acesso à escola ou recebe educação de baixa qualidade:

a fome não espera. Famílias com renda aquém de suas necessidades correm o risco de se desconstituir. aí as crianças vão para a rua, com os riscos que isso representa.

No orçamento da União, são considerados investimentos os gastos com habitação, saneamento básico, estradas, compras de equipamentos hospitalares, computadores, construção de delegacia de polícia, escolas e postos de saúde. Ou seja, toda despesas que resulte em acréscimo de patrimônio.

É o caso de Chapada do Nordeste, em Minas, um dos cinco municípios onde os investimentos superam os benefícios pagos pelo Bolsa Família. Lá, o governo federal liberou R$ 185 milhões para a construção da ferrovia Norte-Sul, contra R$ 648 mil do programa.

O professor Márcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp, mostrou, em estudo sobre gastos sociais e desigualdade no período de 2001 a 2005, que ao longo do período, não houve ampliação do gasto social no país, mas apenas transferência de recursos entre os setores. Um dos mais afetados foi o de habitação e saneamento, cujo gasto em 2005 encolheu 3,63% com relação ao ano anterior ¿ quase metade da população brasileira vive em moradias sem rede de esgoto.

Pochmann sustenta que, ao contrário do que muitos pensam, o gasto social ficou estabilizado. Na média, praticamente equivale ao gasto social per capita do segundo governo Fernando Henrique Cardoso. Se os gastos em infra-estrutura encolheram, os da área social cresceram: 1,5% na área de assistência social (onde está o Bolsa Família) e 1,18% com Previdência Social.

Se o gasto não foi ampliado, o que houve foi uma escolha ¿ diz Pochmann.

O presidente da associação Brasileira de Engenharia Sanitária e ambiental (abes), José aurélio Boranga, lamenta que o investimento em água e esgotos no Brasil fique muito aquém da necessidade:

O próprio Ministério das Cidades tem um estudo mostrando que, em 20 anos, o país terá de investir 0,6% do PIB em água e esgotos para universalizar o saneamento. Hoje, só aplica 0,22%.