Título: é preciso avançar
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Fonte: O Globo, 12/08/2006, Especial, p. 1

O programa Bolsa Família conseguiu cumprir as metas de abrangência - número de famílias atendidas - estabelecidas pelo governo, mas não a de convergência com os programas estaduais e municipais, avalia o professor da Universidade Estadual de Capinas (Unicamp) Marcio Pochmann. Segundo ele, depois de conseguir êxito com essa ação emergencial, o desafio do governo agora é encontrar a porta de saída da pobreza.

-As pessoas precisam ter emprego, acesso à educação e à saúde, que só o desenvolvimento pode trazer - diz. Nada contra políticas compensatórias para a falta de emprego. Mas elas não podem ser um fim nelas mesmas, afirma. - Amenizar a pobreza com ações emergenciais é a parte mais fácil e depende de investimento relativamente baixo. Os R$ 8 bilhões gastos por ano com o Bolsa Família são equivalentes a cerca de 0,4% do produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas pelo país). Produzir desenvolvimento, no entanto, depende da criação de um conjunto de ações coordenadas do governo em diversas áreas.

Segundo ele, o Ministério da Fazenda precisa estar comprometido com metas de desenvolvimento de regiões mais pobres, o Ministério do Trabalho com as de criação de empregos, o da Educação, de vagas. Infra-estrutura de transportes, energia e segurança também devem fazer parte do pacote. Essas iniciativas levariam o país a crescer 5%, 6% ao ano.

-Não temos tradição de operar políticos de porta de saída em escala nacional - afirma Pochmann. O Brasil tem longa experiência em transferir renda associada ao exercício do trabalho. Da década de 30 aos anos 80, foram criados diversos programas nesse sentido, como o de Integração Social (PIS), o seguro-desemprego, o 13º salário e o salário-família. O governo militar também introduziu o aposentadoria para idosos que tinham trabalhado em atividades rurais.

Foi a constituição de 1988 que abriu a perspectiva de garantir renda condicionada à pobreza para portadores de necessidades especiais ou segundo a faixa etária (acima de 65 anos). Mais recentemente, nos anos 90, as prefeituras de Campinas e o governo do Distrito Federal iniciaram programas de transferência de renda nos moldes do atual Bolsa Família.

A partir daí houve uma profusão de modalidades que incluiu o Bolsa Escola federal e planos municipais estaduais. O governo Lula unificou os diversos programas num mesmo ministério e ainda criou outros, como o Cartão Alimentação, o Pró-Jovem e o Primeiro Emprego.

Falta pensar melhor um mecanismo de saída, dando motivações para que isso aconteça Francisco Ferreira

Felipe Awi Economista líder do Departamento de Pesquisas do Banco Mundial em Washington, Francisco Ferreira é enfático nas suas ressalvas. O Bolsa Família, de fato, representou um avanço significativo na queda da desigualdade no Brasil nos últimos anos, mas não é sua principal razão nem completa o processo de inclusão social.

- Até hoje o governo se preocupou em ampliar a porta de entrada dos beneficiados. Falta pensar melhor um mecanismo de saída, dando motivações para que isso aconteça. Além disso, o Bolsa Família ainda não é o tipo de seguro social universal de que o país precisa - diz Ferreira.

Este seguro, na sua opinião, seria concedido automaticamente a famílias que caíssem a determinado nível de renda. Não teria, por exemplo, as condições exigidas pelo Bolsa Família, como a obrigatoriedade de ter filhos.

E como fica um casal sem filhos ou um jovem desempregado que saiu da casa dos pais? Exemplifica. Para ele, o Bolsa Família tem um papel intermediário no comprovado declínio na desigualdade de renda do país. Mas seu maior responsável é o crescimento do número de brasileiros que chegam ao nível secundário, o que permitiu a redução do ¿prêmio¿ pela escolaridade no mercado de trabalho. Além disso, a convergência entre os meios rural e urbano diminuiu o abismo entre as suas rendas.

Após essas ressalvas, o economista não deixa de enaltecer a importância do Bolsa Família e de seus antecessores do governo Fernando Henrique, em especial o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Em primeiro lugar, por causa das contrapartidas impostas ás famílias, que precisam manter os filhos na escola e com a vacinação em dia. Nas suas palavras, é como se a família tivesse de ¿investir no seu capital humano¿ para continuar elegível. Depois, por que conseguiu chegar de fato ao mais pobres, sendo que houve ainda um aumento na cobertura do programa e no volume de recursos ao longo dos anos.

Realmente a maior parte destes benefícios é entregue aos 40% mais pobres da população. Outras gerações de programas falharam neste objetivo. O seguro-desemprego, por exemplo, é importante, mas deixa de fora toda a massa de trabalhadores informais do Brasil. Por isso, o Bolsa Família tem esse mérito: trouxe o pessoal lá de baixo um pouco mais para cima - afirma Ferreira, um ex professor da PUC-Rio com doutorado em economia na Lodon school of economics, que concentrou seus estudos na questão da desigualdade e da pobreza no mundo. Nenhum sistema de previdêncial rural é superavitário. Sem ele, a conta que o Brasil pagaria seria ainda maior Helmut Schwarzer

Demétrio Weber Brasília

Carro-chefe da política social do governo Lula, o Bolsa Família integra uma rede de proteção criada por diferentes governos. Seu orçamento de R$ 8,3 bilhões corresponde a menos de 15% do que será repassado este ano, em dinheiro vivo, à população pobre. Embora tenha maior visibilidade e seja apontado como cabo eleitoral para a reeleição de Lula, o Bolsa Família não é o mais caro programa social do país.

O maior desembolso é na Previdência rural, que beneficiou 7,1 milhões de trabalhadores do campo em 2005,ao custo de R$ 24 bilhões. A aposentadoria rural acolhe mesmo quem nunca contribuiu. No ano passado, arrecadou R$ 3 bilhões e pagou R$ 27 bilhões. O déficit foi de R$ 24 bilhões, três vezes o orçamento do Bolsa Família este ano. Em 2006, a Previdência rural deverá custar R$ 27 bilhões. Paga um salário-mínimo ao beneficiário R$ 350, enquanto o Bolsa Família repassa de R$ 15 a R$ 95.

Nenhum sistema de previdência rural do mundo é superavitário. Sem ele, a conta que o Brasil pagaria seria ainda maior: inchaço das periferias se destruição do tecido social no campo. Sem falar que a agricultura familiar contribuiu com dois terços da produção de alimentos no país - diz o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é outro programa assistencial que dispõe de mais recursos que o Bolsa Família. Em 2006, o BPC deverá consumir R$ 9,7 bilhões, atendendo 2,5 milhões de idosos acima de 65 anos e deficientes físicos incapacitados para o trabalho. Para ter direito aos R$ 350 mensais, é preciso comprovar renda familiar por pessoa inferior a um quarto de salário-mínimo.

A secretária de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, diz que cada programa tem seu papel. Enquanto a aposentadoria rural e o BPC atendem idosos e deficientes, o Bolsa Família transfere renda para país de crianças e jovens.

A Previdência urbana também é deficitária. No ano passado, custou R$ 13 bilhões à União. Forma pagos benefícios no valor total de R$ 120 bilhões contra uma arrecadação de R$ 106 bilhões. Sem considerar os benefícios urbanos, que exigem contribuição, a rede de proteção social vai consumir mais de R$ 60 bilhões.

O abono salarial, auxílio dado a quem recebe até R4 700 por mês, deverá ser dado a 11,4 milhões de trabalhadores do país até junho do ano que vem. Mais, portanto, do que o Bolsa Família, que paga 11,1 milhões de benefícios. Criado em 1976, o abono vai custar cerca de R$ 3,4 bilhões ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O seguro desemprego atendeu 387 mil pessoas em maio. A previsão é que, até o fim do ano, repasse cerca de R$ 9,9 bilhões.