Título: A bolsa E OS BOLSÕES
Autor:
Fonte: O Globo, 12/08/2006, Especial, p. 1

O dinheiro do Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do país, ajuda a matar a fome de 11,1 milhões de famílias, mas está longe de erradicar a pobreza. Se por um lado contribui para reduzir a desigualdade social, por outro não cria condições para que os beneficiados se tornem economicamente auto-suficientes. O futuro presidente, seja quem for, terá de encontrar a porta de saída, com geração de emprego e acesso a saúde e educação de qualidade.

Maria Plínia Gomes dos santos, de 38 anos, não sabe dizer quem é o presidente do Brasil ou o governador de Minas Gerais, onde vive. Mas perguntada sobre quem enviava o dinheiro do Bolsa Família para sua casa, todo mês, não vacila:

É o Lula. Vem de Brasília Mas o Lula é presidente do Brasil, dona Plínia É mesmo? Não sabia!

O diálogo com a moradora do Vale do Jequitinhonha, analfabeta e miserável, resume o impacto e os problemas do principal programa de transferência de renda do país.

O programa é apontado como responsável pela queda da desigualdade social no país, ao socorrer parcela dos brasileiros tão excluída que sequer reconhece o governo como instituição social. Mas ao mesmo tempo é criticado porque, se tira brasileiros da miséria, não os leva à auto-suficiência. Seus críticos sustentam que o Bolsa Família faz assistencialismo estéril. Não cria mecanismo para que os beneficiados deixem de depender da ajuda do governo, provocado assim uma relação viciosa. E fortalece uma aura messiânica em torno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu projeto de ser reeleito

O Bolsa Família já beneficia 11,1 milhões de famílias. De janeiro a julho, repassou R$ 4,1 bilhões. a previsão é que, juntamente com os demais programas remanescentes, gaste R$ 8,3 bilhões em 2006.

O economista Marcio Pochman, da Unicamp, adverte que as pessoas precisam de emprego, acesso à educação e à saúde, ¿que só o desenvolvimento pode `trazer¿. Ele não é contra políticas compensatórias para a falta de emprego, mas acha que elas não podem ser um fim nelas mesmas. Já o pesquisador Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea), diz que o Brasil vive uma situação inédita nos últimos anos, com um ritmo de redução da desigualdade econômica comparável ao dos Estados Unidos no período pós-Segunda Guerra. Entre 2001 e 2004, de acordo com o Ipea, a desigualdade caiu 4%.

Este é o nó a ser desatado pelo futuro presidente da República: encontrar uma solução para reduzir a pobreza sem criar uma relação de dependência e sem desperdício de recursos.