Título: Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são¿
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 12/08/2006, O País, p. 3

em operação conjunta com a Receita Federal, a Polícia Federal prendeu ontem 30 pessoas ¿ entre militares, empresários e servidores do alto escalão do governo do Amazonas e da prefeitura de Manaus ¿ acusadas de desviar dinheiro destinado à compra de merenda escolar, suprimentos do exército e até cestas básicas de flagelados da forte seca que atingiu a Região Norte ano passado. A PF batizou as prisões de Operação saúva, em referência à formiga que é a maior das pragas agrícolas do Brasil. Depois dos sanguessugas da estaque2'>saúde, as saúvas que tiram comida de crianças e flagelados da seca, numa sequência de escândalos que poderia ser resumida na frase ¿estaque1'>pouca estaque2'>saúde e muita saúva, os males do Brasil são¿, de Macunaíma, o herói sem caráter criado por Mário de Andrade, em 1926.

Segundo a PF, o esquema chegou a dar viagens à Disney como propina a servidores. entre os presos estão o coronel Vitor Augusto de Fellipes e dez tenentes-coronéis, capitães e sargentos do exército. Pela primeira vez um coronel do exército é preso pela PF numa operação de combate à corrupção. Também estão na lista o secretário-executivo da Fazenda do Amazonas, Afonso Lobo Moraes, o superintendente da Conab no estado, Jucelino de Souza Moura, e Manuel Paulino da Costa Filho, assessor do vice-governador Omar Aziz (PMN).

A organização é acusada de desviar R$ 53 milhões só em negociatas com órgãos públicos no ano passado. Mas o volume de recursos amealhado desde de que a quadrilha entrou em ação é bem maior. Pelos cálculos da Receita Federal, 19 das 30 empresas da organização criminosa movimentaram R$ 354 milhões nos últimos seis anos.

Fraude até com cestas básicas

Segundo a Polícia Federal, a organização era chefiada pelo empresário Cristiano da Silva Cordeiro, dono da Gold Distribuidora de Alimentos, entre outras empresas. Cordeiro e dez outros empresários da organização são acusados de subornar militares e servidores públicos para facilitar o direcionamento de licitações e a entrega de mercadorias de baixa qualidade ou deterioradas ao 12 Batalhão de Suprimentos do exército, à Conab, à prefeitura de Manaus e às secretarias da educação e da Fazenda do Amazonas, entre outros órgãos públicos.

Os empresários pagavam propina em troca de informações privilegiadas para se antecipar e tirar do páreo eventuais concorrentes em licitações de compras de grandes estoques de alimentos. Segundo a polícia, a organização elaborava editais para superfaturar os preços das mercadorias. Relatório reservado da polícia informa ainda que a organização chegou a entregar ¿açúcar contaminado por fezes de rato, arroz infestado por parasitas, peixe contaminado por larvas e feijão de qualidade duvidosa¿.

As irregularidades foram constatas ¿nas vendas para o exército e para a Conab (do Amazonas e da Paraíba) no final de 2005, quando grande seca assolou a Região Amazônica e houve necessidade de doação de cestas básicas à população ribeirinha¿. em outro trecho, o relatório reservado relata casos semelhantes envolvendo alimentos destinados à merenda escolar adquiridos pela Secretaria de educação do Amazonas. A polícia afirma que, depois das fraudes, militares revendiam parte dos alimentos.

em troca dos favores prestados à organização de Cordeiro, militares e servidores civis recebiam propinas. Ao longo da apuração, a PF detectou desde depósitos em contas bancárias até a concessão de pacotes turísticos para a Disney, nos estados Unidos. O secretário executivo de Fazenda do Amazonas, Afonso Lobo aparece na apuração da polícia como suspeito de apressar pagamentos e liberar a participação de empresas em dívida com o estado nas concorrências públicas.

¿ Toda quadrilha desarticulada é um benefício público muito significativo. Tanto mais que no procedimento dessa quadrilha havia risco para a estaque2'>saúde pública ¿ afirmou o diretor-executivo da PF Zulmar Pimentel.

O coronel Augusto de Fellipes foi preso em Natal (RN). A polícia prendeu outros acusados e cumpriu 64 mandados de busca no Amazonas, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Ceará, Rondônia e Distrito Federal. Os acusados foram indiciados por corrupção, peculato, quebra de sigilo funcional, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Pouco depois das primeiras prisões, o comando do exército divulgou nota de apoio à operação: ¿O exército brasileiro tinha conhecimento dos fatos envolvendo militares e acompanhou e apoiou de maneira irrestrita e na forma da lei as investigações, sem prejudicar o sigilo das operações da PF¿. O governo do Amazonas também apoiou as investigações da PF.