Título: O BISPO GENEROSO NO DISCURSO E RADICAL NA AÇÃO
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 28/08/2006, Rio, p. 14

Dom Luciano Mendes de Almeida, um dos criadores da Pastoral do Menor e ex-presidente da CNBB, morre aos 75 anos

SÃO PAULO. ¿Sou moderado no discurso e radical na ação¿, definiu-se, certa vez, o arcebispo de Mariana, dom Luciano Mendes de Almeida. Como bispo auxiliar de dom Paulo Evaristo Arns, na Arquidiocese de São Paulo, dom Luciano foi um dos responsáveis pela criação da Pastoral do Menor, em 1976, instituição que atua na proteção de crianças e adolescentes. Ele era considerado um dos grandes intelectuais da Igreja Católica no Brasil.

Durante 12 anos, dom Luciano permaneceu ao lado de dom Evaristo, a quem ajudou a organizar uma centena de abrigos para menores abandonados na capital paulista. Dom Luciano foi ainda presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por dois mandatos consecutivos, de 1987 a 1994.

Nomeado bispo em 1976 pelo Papa Paulo VI, dom Luciano nasceu no Rio de Janeiro, em 5 de outubro de 1930, filho de Cândido Mendes de Almeida e de Emília Mello Vieira Mendes de Almeida. Aos 16 anos, foi estudar no Colégio Santo Ignácio de Loyola, dirigido pelos jesuítas. Aos 17, ingressou na Companhia de Jesus. Aos 28, ordenou-se padre em Roma, onde fez doutorado em filosofia. Antes de assumir a presidência da CNBB, foi secretário-geral da entidade de 1979 a 1986.

Após ser eleito, em abril de 1987, presidente da CNBB, por 196 dos 256 bispos reunidos em Itaici, dom Luciano rapidamente se tornou o mais influente prelado brasileiro, embora sequer fosse titular de uma arquidiocese, o que só aconteceu no ano seguinte, em Mariana.

Dono de uma incrível capacidade de diálogo, dom Luciano conseguiu reunir em sua posse tanto religiosos progressistas quanto conservadores, assim como políticos de todas as correntes ¿ e todos levados por uma real admiração por ele. De voz mansa e pausada, dom Luciano nunca deixava de pregar a necessidade de conversão total à ética, quando se tratava de abordar os grandes temas nacionais.

Câncer no fígado foi detectado em 2004

Há dois anos, foi descoberto que dom Luciano tinha um câncer no fígado. O diagnóstico foi feito pouco depois de ele ter contraído hepatite tipo C. Na ocasião, dom Luciano foi submetido a uma cirurgia no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP) para retirada do tumor e de um pedaço do fígado.

¿ Não foi constatada metástase. Mas passamos a fazer exames a cada três meses ¿ disse o professor titular de clínica médica da USP e presidente do conselho do HC, Dalton Chamone, chefe da equipe que cuidou do arcebispo.

O tumor foi detectado no início de julho, depois da morte da irmã (Elisa Maria, falecida no Rio), que causou grande tristeza a dom Luciano.

O arcebispo chegou a ser internado em Mariana e Belo Horizonte, antes de ser transferido para o HC, em 17 de julho.

Depois de ser desenganado pelos médicos, dom Luciano pediu a graça a dom Antonio Ferreira Viçoso, o sétimo arcebispo de Mariana, falecido no século XIX, adorado pelo povo da cidade mineira e em processo de canonização.

¿ Ele raciocinou que, se a graça fosse alcançada, ficaria mais fácil canonizar dom Viçoso. Até na hora da morte ele pensou mais nos outros do que nele ¿ disse o médico.

Dom Luciano morreu às 18h15m de ontem, aos 75 anos, no Hospital das Clínicas de São Paulo, de falência múltipla dos órgãos, causada pelo câncer no fígado.