Título: NOVA ORLEANS VULNERÁVEL AINDA POR 2 ANOS
Autor: Ann Simmons, Richard Fausset e Stephen Braun
Fonte: O Globo, 28/08/2006, O Mundo, p. 19

Obras de proteção contra inundações só estarão concluídas em 2008

WASHINGTON. Um ano depois do Katrina, as autoridades americanas acabam de chegar a uma triste conclusão: a tragédia provocada por aquele furacão poderia ter sido evitada. E se outro fenômeno com a mesma intensidade voltar a atingir Nova Orleans e imediações nos próximos dois anos, a cidade será novamente inundada, pois as obras de proteção só terminarão depois disso.

A constatação não se deve às já conhecidas e óbvias falhas no socorro à população. Ela diz respeito especificamente a questões técnicas de infra-estrutura: os Estados Unidos foram desleixados nos últimos 40 anos em relação à proteção de Nova Orleans. E os trabalhos realizados nos últimos nove meses ainda estão longe de garantir uma proteção efetiva.

Esse é o resultado de um estudo oficial concluído dias atrás, e que será divulgado em breve. Tanto as deficiências anteriores quanto as atuais se devem a dois fatores básicos.

¿ Não existe uma única agência governamental, ou funcionário, encarregado de todo o sistema. E não há uma estrutura administrativa que coordene esse sistema, atribuindo responsabilidades específicas a agências locais, estaduais e federais ¿ explicou Rob Traver, da Sociedade Americana de Engenheiros Civis, uma das entidades encarregadas de monitorar as investigações e também as obras que vêm sendo realizadas na região pelo Corpo de Engenheiros do Exército.

Autoridades não notaram que diques estavam afundando

Don Basham, o chefe desse grupo de profissionais, informou que 257 dos 563 quilômetros de diques protetores de Nova Orleans foram danificados. Ele identificou 50 brechas naquele trecho. Mas o maior problema, segundo o engenheiro, foi o fato de que a água entrou por cima dos diques de contenção. Ela chegou a atingir 1,80 metro acima deles. Essa consistiu na maior falha do sistema, criado em 1965. E não pelo fato de as autoridades não terem previsto a chegada de ondas mais altas, mas, sim, porque não se deram conta de que os próprios diques estavam afundando:

¿ Não notaram que o sistema estava mudando. Nova Orleans está assentada sobre uma base de nove mil metros de sedimento de rio. E nessa área estão localizadas as zonas residenciais. Chegaram mais pessoas à cidade ao longo dos anos, o terreno foi cedendo, e nenhuma dessas mudanças foi acomodada com a mudança no nível de proteção de que a cidade necessitava ¿ revelou Ed Link, da Universidade de Maryland, que está dirigindo a Força-Tarefa Governamental de Avaliação do Desempenho, a outra entidade que monitora os trabalhos.

O estudo a ser divulgado a respeito tem 6.113 páginas e contém inclusive fotografias dos pontos falhos no sistema de proteção de Nova Orleans. Ele mostra que, ao planejarem um novo aparato de defesa antiinundação, os EUA procuraram conhecer o que foi feito nesse sentido na Holanda.

Um engenheiro holandês esteve nos EUA prestando consultoria e, segundo sugeriu Traver, a questão básica foi a da previsibilidade, o cálculo do fator de risco:

¿ Na Holanda, o fator de risco considerado na construção dos diques é de um para dez mil. E ainda com essa margem os holandeses continuam enfatizando a necessidade de um esquema de evacuação da população ¿ disse o representante da Sociedade Americana de Engenheiros Civis.