Título: PRESÍDIO PAULISTA ABRE CRISE ENTRE BRASIL E OEA
Autor: Tatiana Farah
Fonte: O Globo, 27/08/2006, O País, p. 23
Detentos vivem o caos em Araraquara, confinados ao relento e sem contato com parentes há dois meses
SÃO PAULO. A crise nos presídios paulistas pode fazer o Brasil ser mais uma vez repreendido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Mês passado, a Corte decretou medida provisória para que o país resolvesse o caos na prisão de Araraquara, onde detentos continuam confinados ao relento e sem contato com seus familiares há dois meses.
O presídio foi destruído nas rebeliões que começaram em maio, mas a reforma, licitada como de emergência, ainda não foi iniciada. As entidades de direitos humanos entregarão à Corte um dossiê sobre a situação de outros quatro presídios no Estado de São Paulo: Mirandópolis, Getulina, Itirapina e Jundiaí. A idéia é mostrar à OEA que o caso de Araraquara não é isolado e que a crise atinge o sistema penitenciário estadual.
Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária, pelo menos 20 presídios sofreram danos graves ou foram destruídos nas rebeliões que acompanham a onda de violência em São Paulo, iniciada em 12 de maio. Os custos, segundo o governo, chegarão a R$67 milhões. Em Araraquara, a reconstrução custará R$16,14 milhões e, segundo a secretaria, os canteiros de obras já estariam sendo montados.
Governo transferiu 600 presos
O governo atende a uma das recomendações da medida provisória da OEA, que é a remoção dos presos. O presídio, onde cabem 750 presos, estava com 1.458, segundo a própria secretaria. Foram transferidos 600 detentos e 858 permanecem na prisão que teve todas as celas destruídas. Sem colchões, eles ficam ao relento e improvisam cabanas com lençóis.
A prisão ficou tão destruída que as grades foram fechadas com solda e presos chegaram a ser ¿içados¿ por agentes penitenciários para sair. Os agentes não têm contato com os detentos. Após as rebeliões, o atendimento foi feito por um médico que estava preso.
A Anistia Internacional deve aprofundar suas pesquisas sobre o sistema carcerário no Brasil. A situação prisional já era observada pela instituição desde 1999, com denúncias de tortura e superlotação.
¿ Quem não acredita em tortura tem de visitar Araraquara ¿ diz o inglês Tim Cahill, pesquisador e representante da Anistia no país.
Na sua avaliação, a ação do governo acaba fazendo com que as facções criminosas cresçam. Ele cita o caso da Polinter, no Rio, onde o preso era obrigado a informar de qual facção fazia parte. Segundo Cahill, mesmo quando o preso não era de um grupo organizado, tinha de escolher um lugar que lhe desse mais segurança na prisão.
Entidades trabalham em conjunto
No Brasil, as entidades de direitos humanos trabalham em conjunto para remeter as denúncias sobre presídios para diversos organismos internacionais, como OEA e ONU. Até hoje, o Brasil sofreu duas Medidas Provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA por causa da péssima situação prisional.
No fim do mês passado, o país foi repreendido pela crise de Araraquara. Em 2002, a medida foi sobre o presídio Urso Branco, em Rondônia. Segundo o advogado Carlos Gaio, da Justiça Global, se não atender à Corte, o Brasil pode ser condenado, como aconteceu na semana passada com uma denúncia de morte sob tortura de um paciente psiquiátrico.
Com a condenação, o país pode ser intimado também a indenizar as vítimas, além de promover as mudanças necessárias para se adequar à Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual é signatário. A negativa em cumprir as recomendações da condenação pode levar o país a sofrer sanções políticas e econômicas na OEA.
A Acat (Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura) já produziu vários dossiês encaminhados aos órgãos internacionais de justiça e direitos humanos. A entidade é uma das responsáveis para apresentar à Corte Interamericana, nos próximos dias, um relatório complementar sobre a situação de Araraquara.
Segundo o psiquiatra Paulo Cesar Sampaio, da ACAT, há doentes ainda por remover do presídio. O padre Valdir João Silveira, da Pastoral Carcerária, também visitou a unidade e diz estar preocupado com o ¿serviço de inteligência¿ criado pelas organizações criminosas.