Título: A OFERTA DE LULA
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 25/08/2006, O País, p. 2

Há alguns dias circulam indicações de que, se reeleito, o presidente Lula tentará fazer um governo de convergência, buscando uma ampla coalizão, na qual poderiam ter lugar até setores do PSDB. Ao discursar no lançamento das metas traçadas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), que reúne empresários e sociedade civil, Lula fez um primeiro e tímido aceno nesse sentido.

- Após as eleições, seja qual for a decisão popular, estarei na linha de frente da construção de um grande entendimento nacional pelo futuro do nosso país. Temos que reduzir a tensão política, temos que dedicar nosso tempo mais ao que nos une do que ao que nos divide - disse Lula, após falar de seus feitos e do muito que há por fazer, afirmando que as condições para uma arrancada do país estão dadas, mas que é preciso somar esforços.

Em Minas, o candidato Geraldo Alckmin reagiu agressivamente, dizendo que Lula teve quatro anos para buscar tal convergência, mas preferiu aliar-se às forças mais atrasadas. O governador Aécio Neves foi mais receptivo, embora cauteloso.

- Essa sempre foi a minha tese, mas, como dizemos em Minas, antes tarde do que nunca! O momento é de disputa, é preciso esperar que o tempo demonstre a sinceridade dessas intenções, qualquer que seja o resultado da eleição. Com Alckmin, tenho certeza de que conseguiremos construir um grande entendimento. O presidente perdeu boas oportunidades, depois de ter tido a colaboração dos governadores na primeira fase das reformas. A União continua centralizando recursos e criando dificuldades para os estados. Vamos aguardar, a hora ainda é de disputa.

O documento do CDES fixa metas que o país deveria atingir nos próximos 12 anos, tais como um crescimento anual de 6%, salário mínimo de R$872, reforma política e reformas estruturais, revolução educacional e tecnológica, entre outros pontos. Para muitos dos empresários que o integram, ele pode ser a base de um pacto interno inspirado no que fez a Espanha ao fim da ditadura e na "concertación" que tem propiciado estabilidade e progresso ao Chile. É óbvio que nenhum entendimento se faz no curso de uma campanha e que, ao deflagrar esse debate, Lula e o governo buscaram também dividendos eleitorais. No mínimo, agregar apoio entre os empresários, alguns dos quais jantaram com Lula anteontem.

Talvez o ministro Tarso Genro, que tudo organizou, esteja buscando criar um fato equivalente ao que foi para a última campanha a Carta ao Povo Brasileiro. Lançada em junho de 2002, quando Lula disparava nas pesquisas e a volatilidade fustigava a economia, a carta funcionou como um contrato político, acalmou o mercado e o setor produtivo e pavimentou o caminho da vitória. Nela, o PT afastou o risco de ruptura, prometeu mudanças mas comprometeu-se com a estabilidade e o respeito aos contratos.

As falas de ontem podem terminar na lixeira da retórica, mas serviram para agregar o empresariado. Nomes do quilate de Jorge Gerdau, Rogério Golfarb (Anfavea), Fernando Xavier (Telefônica), Paulo Simão (CBIC), entre tantos, endossaram o documento do conselho e defenderam um esforço nacional para acelerar o desenvolvimento. Outros tantos defenderam a reforma política, e alguns a miniconstituinte para realizá-la (Delben Leite e Rodrigo Lores).

- Temos condições macroeconômicas favoráveis e uma democracia madura, mas precisamos acelerar o crescimento e reformar as instituições políticas. Isso, só com entendimento. Aceitar um crescimento médio de 2,5% ao ano é uma negligência! - disse Gerdau.

A pregação do entendimento feita por Lula coincide com o que têm dito petistas e governistas: que ele, se reeleito, tentará fazer um governo mais amplo, pactuado, aberto a composições até com tucanos, embora esteja discutindo a formação de uma coalizão com o PMDB. Mas governar só com o PMDB, dizia um empresário mais entusiasmado, é muito caro e arriscado. O presidente do PT, Ricardo Berzoini, tem dito que torce para que Geraldo Alckmin não ceda à pressão dos pefelistas para fazer uma campanha altamente negativa contra Lula. Isso não afetaria os índices eleitorais de Lula, mas deixaria seqüelas que impediriam qualquer reaproximação no futuro.

Outro que se entusiasmou foi o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, que em Minas é também um aliado de Aécio:

- O presidente não falou como candidato, mas como estadista. Espero que as forças políticas compreendam sua mensagem. Para avançar, o Brasil precisa de um cessar-fogo e de que todos se dêem as mãos depois da eleição.

Mas a hora, como diz Aécio, é de disputa. Acordo é conversa para depois.

PELO MENOS UM acordo está pintando, articulado pelo líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL/BA). A oposição aceitará votar em bloco todas as MPs acumuladas para que a Câmara vote logo o projeto que acaba com o voto secreto em cassações. A ministra Dilma Rousseff admitiu também a retirada de algumas delas para ajudar na empreitada.

ALGUMA COISA precisa ser feita. O risco de impunidade aumentou, na medida em que mais partidos estão envolvidos no caso dos sanguessugas. Outra boa medida é o projeto do deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR), que impede os acusados de participarem das votações de cassações. Isso pode evitar o acordos do tipo "me salva que eu te salvo".