Título: Prometer de novo
Autor: Cristiane Jungblut/Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 25/08/2006, O País, p. 3

Lula diz que reduzirá impostos e gastos e elevará investimento, apesar de ainda não ter feito

Diante dos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), uma platéia formada basicamente de empresários chamados por ele de "companheiros", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um discurso em que prometeu redução de impostos, corte nos gastos públicos e aumento dos investimentos em infra-estrutura, decisões que não tomou em seus quatro anos de mandato. Sugerindo que poderá realizar essas mudanças, que citou como pré-condições para o desenvolvimento do país, num eventual segundo mandato, o presidente disse que precisa de mais tempo para superar problemas.

- Para o Brasil crescer mais, precisamos de mais investimento público e privado em infra-estrutura e, também, mais investimento privado na produção. Para ter mais investimento público, vamos melhorar a qualidade do gasto e reduzir o déficit da Previdência, isso sem prejudicar os aposentados e muito menos os assalariados - disse Lula: - Avançamos bem nos últimos três anos e meio, mas precisamos de muito mais tempo e muito mais trabalho para superar esses grandes pecados nacionais.

Os números mostram que o desempenho do governo Lula é bem diferente daquilo que ele promete para um possível segundo mandato. Os investimentos em infra-estrutura, que eram de R$13,2 bilhões em 2002, último ano do governo Fernando Henrique, caíram para R$9,7 bilhões em 2005. E os gastos com custeio (máquina administrativa e programas sociais), que estavam em R$71,1 bilhões, subiram para R$95,7 bilhões no ano passado.

Lula prometeu fazer a reforma tributária, o que não conseguiu durante a atual gestão, por desarticulação da sua própria base de apoio e desinteresse da equipe econômica.

- Eu quero e vou fazer mudanças na área tributária. Aliás, a reforma do imposto estadual, com a subseqüente unificação de todos os impostos de valor adicionado em um único imposto, está no Congresso há três anos. Basta vontade política e entendimento entre as forças políticas para que venhamos a dar o grande salto que precisamos, nessa área - disse Lula.

O presidente afirmou que reduziu impostos. Mas a carga de impostos subiu, passando de 35,61% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país) em 2002 para 37,37% em 2005, como informou ontem a Receita Federal.

- A redução dos impostos também não é uma missão impossível. Não usei o aumento de imposto como instrumento de minha política econômica. Ao contrário, reduzi (os impostos), e a arrecadação não caiu - disse Lula, citando a correção da tabela do Imposto de Renda e a redução ou isenção de impostos na área de informática, bens de capital e cesta básica.

Presidente evita fixar metas

Lula também prometeu reduzir a taxa de juros e aumentar o crescimento econômico, mas não se comprometeu especificamente com a meta fixada pelo CDES de crescimento de 6% ao ano a partir de 2008 e até 2022.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a marca de um eventual segundo mandato será o desenvolvimento sustentável:

- A marca do segundo mandato será o desenvolvimento sustentável, um desenvolvimento mais vigoroso do que deste período de transição. O país está preparado para um crescimento superior a 5%.

Depois das promessas, Lula disse:

- Meu sonho continua sendo o de contribuir humildemente para que o Brasil encontre, definitivamente, o caminho do desenvolvimento sustentado.

Com o discurso voltado para os empresários, disse que a redução do prazo de devolução do PIS/Cofins e do ICMS sobre bens de capital será um "desafio para os próximos anos".

- Precisamos ter juros menores e uma carga de impostos mais leves.

No rol das promessas, Lula disse ainda que é preciso melhorar a qualidade do gasto público e reduzir o déficit da Previdência, que já está estimado em R$41 bilhões. Ele afirmou que é preciso reduzir o gasto com custeio da máquina pública, embora no seu governo esses gastos tenham crescido. Disse que vai elevar os investimentos, mas não se compromete com cortes no Orçamento.

- Não penso como alguns críticos, que acham que colocar as contas em ordem significa cortar, cortar e cortar. Na verdade, precisamos trabalhar para melhorar a qualidade do nosso gasto, diminuindo as despesas de custeio para investir mais em infra-estrutura e ter condições de reduzir a carga tributária - disse Lula.

Ao falar da queda da inflação, Lula disse que seu compromisso com o fim das altas taxas é definitivo:

- Se depender do meu trabalho e da minha força, a inflação será lembrada pelas futuras gerações como os dinossauros são lembrados hoje pela população brasileira e pela população mundial.

"Crise ética é do sistema"

Lula foi direto ao se referir ao período eleitoral, afirmando que o país vive um momento agudo da política e prometendo que, após as eleições de outubro, trabalhará por um entendimento nacional entre as forças políticas. Para ele, a reforma política é inadiável.

- Estamos agora vivendo um período agudo da política, um conflito de idéias e programas. Após as eleições, seja qual for a decisão popular, estarei na linha de frente da construção de um grande entendimento pelo futuro do nosso país. Temos que reduzir a tensão política. Temos que dedicar nosso tempo mais ao que nos une do que ao que nos divide - disse Lula.

A falar da crise política, Lula repetiu o discurso dos programas eleitorais, afirmando que a crise ética é do sistema e não de partidos ou pessoas. E cobrou coerência do eleitorado:

- Fico pensando se não seria bom, todo dia, cada um de vocês, sentar, e cada brasileiro colocar o nome da pessoa eleita embaixo do travesseiro para nunca esquecer, para que pudesse cobrar sistematicamente a coerência, e a gente pudesse acertar cada vez mais no fortalecimento da democracia deste país.

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CARGA TRIBUTÁRIA BATE RECORDE EM 2005 , na página 29