Título: EDUCAÇÃO 'À LA CARTE'
Autor: Edgar Flexa Ribeiro
Fonte: O Globo, 25/08/2006, Opinião, p. 7

O ministro da Educação acaba de homologar decisão da Câmara de Ensino Básico do Conselho Nacional de Educação tornando obrigatório o ensino de sociologia e filosofia em todas as escolas de nível médio, públicas e particulares, em todo o território nacional.

Mais um sinal da irresponsabilidade e gratuidade com que se legisla sobre educação e ensino no país. A rigor, e em tese, qualquer coisa pode ser obrigatória num currículo. A equivalência formativa dos saberes codificados em disciplinas vai ao infinito. No extremo, dependendo de como trabalhados, métrica grega pode equivaler a sociologia e o latim, a filosofia. Basta uns serem bem desenvolvidos e outros, apenas rotineiramente obedecidos.

Não se trata, assim, de ser contra ou a favor do ensino disso ou daquilo. O que salta aos olhos é a forma autoritária e atrabiliária com que o Estado determina o que é e o que não é obrigatório ser ensinado. E nem é o Estado como um todo - aliás, neste caso, não chega a ser nem uma decisão de todo o Conselho Nacional de Educação.

Foi apenas uma das câmaras deste Conselho - que se pretende nacional mas que, na verdade, é apenas setorial -, formada por uma meia dúzia de pessoas, que, independente e autonomamente, determinou a 180 milhões de pessoas espalhadas em 8 milhões de quilômetros quadrados o que é obrigatório ser ensinado. Essas pessoas decidem, o ministro de plantão homologa, e esperam, então, que todo este imenso país entre em forma e, disciplinado e coeso, marche avante no cumprimento estrito do determinado.

Nem o Estado Novo se permitiu tanta sem-cerimônia.

É claro que aprender filosofia e sociologia é ótimo. É claro que todo professor acha que a disciplina para a qual foi licenciado é sempre a mais importante. Mas os agentes do poder público não deveriam se deixar enredar nessa trama, considerando a importância de tornar tudo obrigatório: sempre, uniformemente, univocamente, universalmente. E, o que é pior: aleatoriamente, ao sabor de interesses desconhecidos, por preocupações gratuitas ou predileções de momento.

Para ser justo, não é só uma das câmaras do Conselho "Nacional" de Educação que age assim. A Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas, as Câmaras de Vereadores e conselhos diversos estão repetidamente dispondo sobre ensino e educação ao sabor dos mais variados caprichos e modismos.

Um dos resultados finais é a simulação: uns fingem que ensinaram, outros fingem que aprenderam, e o governo finge que todo mundo obedeceu. O que não é nada bom. Não tem professor; não tem salário; estados e municípios vivem à míngua; os concursos demoram um horror; o tempo passa, e um dia muda tudo de novo.

O mais grave a se constatar, no entanto, é a volatilidade das normas que regem a educação no país. Inventam a toda hora uma nova coisa a fazer, e o país vive nessa ciranda permanente, deixando de fazer o mais importante, que é persistir na tentativa de ensinar bem alguma coisa.

Os homens que cuidam do assunto parecem cada vez mais distantes e desinteressados do fato de que a educação é investimento de longa maturação, e que cada uma dessas mudanças nas normas esfarelam o que o país acabou de investir: na formação de magistério, na consolidação de práticas, na gestão das escolas, na experiência acumulada - que, afinal, é o que permite a correção dos erros, o aperfeiçoamento e o progresso. E é muito por tanto mudar que não conseguimos sair de onde estamos e que, na busca de uma perfeição ideal, não conseguimos fazer bem o mínimo necessário.

EDGAR FLEXA RIBEIRO é educador.