Título: A partir de 2007
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 27/08/2006, O Globo, p. 2

Quando acenou com um ¿grande entendimento nacional¿ para depois da eleição, qualquer que seja o resultado, devia saber o presidente que seria repelido. A hora é de disputa, de confronto de idéias (embora havendo apenas um campeonato de imagens e palavras). Mas se for reeleito, e se aprendeu com a crise, Lula terá mesmo que trilhar esse caminho.

Um governo de Alckmin disporia de uma base mais coesa, supondo-se que PSDB e PFL mantenham ou ampliem o tamanho de suas bancadas. Mas contra Alckmin pesariam as disputas já delineadas dentro do PSDB pela candidatura presidencial em 2010, entre José Serra e Aécio Neves, que estarão governando São Paulo e Minas, ressalvada a hipótese de um cataclisma.

Já o eventual segundo governo de Lula, segundo as pesquisas de hoje, nasceria marcado por um contradição aguda: teria fortíssimo apoio popular, forte rejeição da opinião pública, escassa base parlamentar e estaria cercado, como hoje, por uma oposição combativa e inconformada. O PT pode não encolher como já foi previsto, mas o partido já assimilou a nova situação: o primeiro governo foi do partido, o segundo, se houver, será de Lula. No primeiro, o PT emplacou 19 nomes no primeiro Ministério, fincou bandeiras e filiados em toda a administração federal e deu corda em Delúbio Soares para as piruetas que levaram o governo ao pântano ético. Um pântano que continua exalando miasmas. Agora, o indiciamento do mesmo Delúbio e do ex-ministro da Saúde Humberto Costa por suposto envolvimento com a máfia dos vampiros, que desde os anos 90 superfaturam preços de hemoderivados.

Encolhido ou não, o PT, somado ao PCdoB e ao PSB, estará muito aquém da maioria parlamentar, talvez mais ainda do que em 2003, quando buscou a maioria na aliança com os partidos que cobraram participação no valerioduto (PP, PTB e PL). Enquanto faz campanha, Lula discute uma coalizão com o PMDB mas fala também em ¿entendimento¿, promete cuidar pessoalmente das alianças e ¿conversar com todos os partidos¿. Todos, disse ele na quinta-feira. Aí entra a hipótese do governo de união nacional, que poderia incluir tucanos, ou parte deles, hipótese que fora do lulismo é considerada um delírio. E que deixaria ainda mais indignados os que não assimilam a opção das grandes massas, de relevar tudo o que houve por conta dos bons efeitos das políticas do governo sobre suas vidas.

Se reeleito, terá Lula condições de agregar outras forças políticas e até uma fímbria do PSDB? Pode-se começar o exame dessa hipótese pelo fato de que ele já não será candidato à reeleição. Estará empenhado em retocar seu retrato político e redimir-se dos erros do primeiro mandato. Não tem um Delfim no PT, nem terá tempo de construir uma alternativa. Dirceu e Palocci, diz hoje, infernizaram seu governo com seus projetos concorrentes para 2010. Agora, só tem ministros que somam, costuma também dizer. Se for novamente presidente e conseguir preservar a popularidade, Lula será o grande eleitor de 2010. Mas para isso será preciso, como disseram os empresários na reunião do CDES, acelerar o desenvolvimento e a inclusão. Com a expansão do gasto público, as políticas de transferência de renda estão batendo no teto, nem se imagina um aumento significativo do salário-mínimo em 2007.

Não tendo um herdeiro petista, um eventual Lula-II pode ser o grande eleitor mas de um candidato de outro partido. Talvez do PMDB, se este adquirir unidade e vocação de poder. Quando falam nisso, os governistas mencionam Aécio Neves, embora o governador de Minas mantenha a distância regulamentar e venha fazendo o que pode por Geraldo Alckmin. Não tem dado ao PSDB a mínima razão para duvidar de sua lealdade. A seu partido, vem apenas avisando, sutilmente, que Minas estará no páreo em 2010. Mas com Serra governando São Paulo e os paulistas mandando no PSDB, Minas só terá vez por um atalho, uma forte aliança com outros estados e uma conexão alternativa com São Paulo.

No tempo político que começa em 2007, se Lula for reeleito, a melhor hipótese é essa que aponta para alguma forma de realinhamento político. A pior, fala de um presidente popular mas cercado pela oposição.