Título: Cooperativa cresce e aparece
Autor: Evandro Éboli e Ronaldo D' Ercole
Fonte: O Globo, 27/08/2006, Economia, p. 37

Empresas em associação já movimentam por ano R$6 bilhões e empregam 1,2 milhão

Fenômeno recente no país, a economia solidária ¿ marcada pela autogestão de empresas e negócios, desde a vendedora de pano de prato à indústria produtora de vagões ¿ exibe números de gigantes. Dados recém-levantados pelo Ministério do Trabalho revelam que essas firmas, tocadas pelos próprios trabalhadores em associação, estão movimentando por ano cerca de R$6 bilhões, cifra equivalente a 50% do que é esperado de lucro em 2006 para a Vale do Rio Doce.

O número de famílias que sobrevivem graças à renda gerada por 1,250 milhão de empregados e cooperados também é robusto. São quase 4,5 milhões de pessoas que se alimentam, se vestem e pagam suas contas graças às atividades da economia solidária. No Brasil, há hoje cerca de 15 mil empreendimentos nesta categoria, que atuam em setores como agricultura familiar, produção de roupas, catadores de lixo e até na fabricação de navios. Além disso, do total de empresas solidárias, só 825 ¿ 5% do total ¿ produzem para consumo próprio de seus associados.

Muitos produtos desse segmento já atingem o mercado externo, como os da Ecocitrus, no Rio Grande do Sul, produtora de frutas cítricas. A Rede Abelha, que reúne apicultores em Natal (RN), também está exportando, assim como uma associação sisaleira, de Feira de Santana (BA), que vende seus objetos de sisal no exterior.

Salário é maior que o do setor informal

Um dos pontos fortes da economia solidária é a recuperação de empresas falidas, que passam à administração de seus ex-empregados. As ¿recuperadas¿ são minoria, cerca de 200, entre as firmas solidárias. Mas são as grandes do setor, como metalúrgicas, fabricantes de vagões e chapas de aço. Respondem sozinhas pela circulação de R$600 milhões por ano.

O salário médio dos 12 mil trabalhadores das ¿recuperadas¿ é de R$766, o dobro do conjunto da economia solidária. Para efeito de comparação, a renda média dos empregados informais em julho, nas seis maiores regiões metropolitanas do país, era de R$681. E a dos que trabalham por conta-própria, R$800,60. Os empregados formais recebem R$1.044,90.

A Cooperativa Mineira de Equipamentos Ferroviários (Coomefer), que produz vagões em Conselheiro Lafayete (MG), é um dos exemplos de empresa recuperada. Tem 205 sócios e 45 empregados com carteira assinada. O faturamento em 2005 chegou a R$15 milhões, resultado da produção de 360 vagões e da reforma de outros 1.500. A empresa surgiu em 2001, com a falência da Companhia Industrial Santa Matilde.

Para o secretário Nacional de Economia Solidária, Paul Singer, as empresas falidas e hoje administradas por ex-trabalhadores formam a ¿elite da economia solidária¿. Mesmo com o capital dilapidado na falência, elas nascem já com algum capital ¿ diferentemente dos excluídos do sistema produtivo e de crédito, que só têm a força de trabalho para gerar renda.

¿ A economia solidária é uma alternativa ao capitalismo e seu modo de produção. Não é um tapa-buraco. O emprego formal, uma saída clássica da pobreza, está escasso ¿ disse Singer.

Outra característica da gestão solidária é a produção em cadeia. Um exemplo é a Justa Trama, que da produção do insumo até a peça final vendida à clientela passa por quatro estados. Começa com a plantação, em regime associativista, do algodão orgânico no Ceará, que segue para São Paulo, onde o tecido é produzido num empreendimento solidário. O mesmo espírito orienta as costureiras associadas gaúchas, que fazem as roupas vendidas depois no Rio.

Pós-graduação e faculdade custeados

A expansão das empresas solidárias levou à criação de entidades que reúnem essas cooperativas e as apóiam com financiamentos. Luigi Verardo, da Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão (Antaeg), afirma que o setor é uma alternativa de inclusão social. Na União e Solidariedade das Cooperativas em Empreendimento de Economia Social (Unisol), constituída em 2004, toda a diretoria é formada por trabalhadores de empresas recuperadas, que compraram a massa falida.

¿ Queremos dar visibilidade às firmas e torná-las mais competitivas, disputando num nível igual ou superior às empresas convencionais ¿ disse Nilson Tadashi, da Unisol.

Com a expectativa de faturar R$180 milhões este ano, 25% mais do que em 2005, a Uniforja, de Diadema, no ABC paulista, é a maior cooperativa de produção do país. Tem 520 empregados (275 ¿sócios¿com participação no capital). A Uniforja nasceu em 1997 da iniciativa dos empregados da Conforja, metalúrgica que fora à falência dois anos antes.

José Domingos, que trabalhou 22 anos na Conforja e está no segundo mandato como diretor-presidente da Uniforja, conta que o início da gestão foi difícil. Dos 650 empregados da Conforja, 280 só concordaram em se aventurar na autogestão.

¿ Foram dias difíceis e os trabalhadores de algumas linhas de produtos passaram meses sem receber nada ¿ lembra Domingos.

A nova empresa foi dividida em quatro cooperativas (cada uma de uma linha de produtos). Aos poucos, à custa de empréstimos bancários, os cooperados conseguiram capital para produzir por conta própria. O grande impulso veio em 2003, quando obteve empréstimo de R$29 milhões no BNDES. O dinheiro serviu para a cooperativa de empregados comprar a fábrica em leilão da massa falida da Conforja, e para compor seu capital de giro.

Mas a chave do sucesso da empresa, diz Domingos, está no comprometimento dos cooperados:

¿ Os sócios não têm salário, mas retiradas mensais (em torno de R$1,8 mil) que dependem do desempenho. Por isso, são mais comprometidos com eficiência e produtividade.

¿ Meu salário subiu 90% desde que virei ¿sócio¿ ¿ conta o torneiro mecânico Orivaldo Regonato, de 47 anos.

O treinamento de pessoal também é permanente na empresa. Além disso, a cooperativa hoje custeia cursos de pós-graduação para três sócios, e paga 50% da faculdade de outros 15.

NORDESTE CONCENTRA 44% DAS EMPRESAS DE AUTOGESTÃO, na página 38