Título: Desejos e perigos
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/08/2006, O GLOBO, p. 2

Dos 86 deputados acusados de participar do esquema das ambulâncias, 58 serão candidatos à reeleição. Apenas o TRE do Rio indeferiu candidaturas como base na acusação da CPI dos Sanguessugas. É justa a ira dos eleitores contra essas candidaturas nefastas, mas há um espaço entre a indignação e a lei que precisa ser observado. Até que seja suprimido, por mudanças na lei, deviam os partidos ter feito a faxina em suas listas de candidatos. O que se deve buscar agora, dentro da lei, é que, se forem reeleitos, não tomem posse.

Mesmo com o deferimento de tantas candidaturas, a Justiça Eleitoral vem tendo uma atitude muito mais vigilante e agressiva, dentro do marco legal, que deve ser louvada. Anteontem à noite o TSE tomou decisão da maior importância. Acolheu voto do relator, ministro Cesar Asfor Rocha, pela impugnação de candidaturas de ex-ocupantes de cargos públicos que tenham tido suas contas rejeitadas pelo TCU ou pelos TCEs. Isso está na lei, mas uma brecha vinha garantindo, nas eleições anteriores, a elegibilidade daqueles que recorressem judicialmente contra a condenação das cortes de contas. O TSE pronunciou-se ao examinar o caso de um ex-prefeito que só agora, na boca da eleição, recorreu contra uma condenação de três anos trás. Asfor Rocha sustentou que não basta haver o recurso judicial. Para o deferimento da candidatura, é preciso que tenha havido pelo menos uma palavra da Justiça a favor do acusado.

No caso dos sanguessugas, os TREs, exceto o do Rio, invocaram a garantia da elegibilidade, salvo quando a acusação já tiver transitado em julgado. Ou seja, quando o réu não tiver direito a qualquer recurso. Os sanguessugas foram denunciados pelo Ministério Público, mas ainda não foram condenados em nenhuma instância, exceto a política, pela CPI. É óbvio que esse dispositivo da lei facilita a vida de políticos bandidos e de bandidos que buscam abrigo na política para desfrutar da impunidade. Mas é a lei, e, até que seja mudada, tem que ser observada. Decisões como a do TRE do Rio serão objeto de recursos que tumultuarão a eleição. Amanhã, se o TSE ou o STF desautorizar essas decisões, serão chamados de quê? De defensores da lei ou de protetores de sanguessugas?

Diferente é a consulta do deputado Miro Teixeira ao TSE, sustentando que os sanguessugas, se reeleitos, podem ser impedidos de tomar posse. Tem base num artigo da Constituição, que o TSE deverá agora interpretar. Está demorando.

O Estado de direito por vezes é esta lâmina de duplo corte. Para assegurar o bem, pode vir a ser indulgente com o mal. Até que se altere a fórmula do direito.