Título: BRASIL E ARGENTINA DISCUTEM DISPUTAS COMERCIAIS
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 26/08/2006, Economia, p. 39

Divergências entre países envolvem calçados, eletrodomésticos, farinha, armários de madeira e transformadores

BRASÍLIA. Após dois anos de paz e amor, marcados por uma forte aliança em quase todos os temas de política externa, Brasil e Argentina estão entrando de novo em período de inferno astral. Entre os principais parceiros do Mercosul já existem, pelo menos, quatro novas disputas. Duas delas causadas pelo fim do acordo de cotas voluntárias do Brasil nas áreas de calçados e eletrodomésticos. As outras pendências envolvem farinha de trigo e armários de madeira e transformadores.

Em uma reunião ontem entre autoridades brasileiras e argentinas, o Brasil disse o primeiro não à Argentina. Chefiados pelo secretário de Indústria e Comércio, Miguel Peirano, os argentinos pediram que fosse revogada a instrução normativa da Receita Federal que determina a apreensão de parte da farinha de trigo ¿mesclada¿ daquele país para exame laboratorial.

Para burlar o Imposto de Exportação de 20% sobre a farinha de trigo, em vigor na Argentina desde 2002, os exportadores estariam mandando o produto para o Brasil com a classificação de farinha misturada, que tem um imposto menor, de 5%. A indústria brasileira reclama da concorrência desleal, já que, com a medida, uma quantidade maior ¿ e barata ¿ de trigo está entrando no Brasil.

¿ A Receita não vai revogar a medida, embora tenha se comprometido a acelerar os exames e ampliar a rede de laboratórios. Um forte argumento para não voltar atrás é o resultado do último exame laboratorial ¿ disse o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, referindo-se ao diagnóstico comprovando fraude na importação de farinha de trigo.

Já os acordos de restrição voluntária de exportações de calçados e produtos da linha branca para a Argentina deixaram de vigorar em 30 de junho. Apesar do forte apelo das autoridades daquele país para que as cotas sejam renovadas, para o governo brasileiro a indústria nacional já deu sua parcela de contribuição e não foi compensada. Ao contrário, houve desvio de comércio.

¿ A Argentina aumentou as importações de outros países. Ocorreu desvio de comércio e isso não podemos aceitar. Mas as negociações continuam e envolvem os empresários dos setores ¿ afirmou Ramalho.

Atraso na liberação de calçados chega a dois meses

Na reunião de ontem, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Élcio Jacometti, reclamou do aumento das exigências burocráticas na importação de calçados do Brasil pela Argentina. A barreira estaria ocorrendo porque, desde junho, não há mais cotas e, teoricamente, a quantidade enviada à Argentina estaria liberada.

Os argentinos esclareceram que, nos últimos dez dias, entraram no país 1,8 milhão de pares de sapato brasileiros. Eles se comprometeram a liberar a mercadoria em até 30 dias. A demora chega a dois meses.

Os argentinos querem a revogação do acordo calçadista e concordam em aumentar a cota, que até junho chegava a 14 milhões de pares por ano. Uma das condições que devem ser impostas na próxima reunião, marcada para 29 de setembro, é que seja estabelecido o percentual de 75%, que seria a participação de calçados do Brasil no total importado pela Argentina.

Na parte de eletrodomésticos, os empresários brasileiros pediram mais dados, para conhecer melhor o tamanho do mercado argentino. O acordo que expirou incluía fogões, geladeiras e máquinas de lavar, cada um dos produtos com uma cota anual de exportação.

Enquanto no caso dos calçados o desvio de comércio constatado pelo governo brasileiro foi para a China, as importações de produtos de linha branca são, em sua maioria, provenientes de países latino-americanos, com destaque para o México. Um exemplo desse desvio pode ser visto nas geladeiras brasileiras, que em 2003 correspondiam a 95% das importações argentinas e, agora, estão em 87%.

Brasil contesta investigações de `dumping¿ pela Argentina

Há, ainda, na mesa de negociações questionamentos do Brasil a investigações de dumping (preços abaixo do custo de produção) conduzidas pela Argentina, no caso de armários de madeira e transformadores elétricos trifásicos. Segundo Ramalho, os dois processos estão em curso, mas o Departamento de Defesa Comercial brasileiro diz que não há consistência técnica, uma vez que não foram comprovados danos às indústrias argentinas causados pelas importações brasileiras.