Título: O vento Lula
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/08/2006, O GLOBO, p. 2

No dia em que as pesquisas colocaram Lula mais próximo que nunca da vitória em primeiro turno, e logo depois de ter acenado com um ¿grande entendimento nacional¿, o texto de apresentação do programa de governo do presidente irritou adversários e surpreendeu aliados com ataques ao PSDB e ao antecessor, Fernando Henrique. Gesto inútil, que serve a incêndio final da campanha.

O documento programático acusou o governo anterior de ter entregado a Lula uma economia em desintegração, depois de um processo de privatização que generalizou a corrupção. A reação tucano-pefelista foi imediata.

Mas, anteontem à noite, no encontro com intelectuais paulistas, Lula reiterou a intenção, se for reeleito, de construir uma coalizão mais ampla para governar, de envolver-se pessoalmente no estabelecimento de uma nova relação com o Congresso, embora tenha externado um agudo realismo: ¿Política a gente faz com quem tem, não com quem quer¿. Isso é verdade, mas não é preciso sucumbir aos métodos dos que oferecem apoio.

Há uma contradição entre estes discursos? Aparentemente sim. Mas há quem veja neles um movimento para demarcar as áreas da oposição com quem Lula pretende dialogar. O ataque foi ao ex-presidente Fernando Henrique (que também subiu o tom de suas críticas), a seu grupo no PSDB e ao PFL.

Alguns petistas têm dito que a pancadaria tão cobrada de Alckmin não interessa a Lula. Não porque ele tema prejuízos eleitorais, mas porque isso inviabilizaria qualquer aproximação com setores do PSDB dentro do suposto entendimento, seja ele restrito a uma agenda nacional, como tem defendido o ministro Tarso Genro, seja com vistas a um acordo de alternância combinada no governo, como se especula no meio político. Diante da crescente especulação nesse sentido, a partir de quinta-feira passada, quando Lula falou em entendimento na reunião do CDES, surgiram reações tanto no PT como no PSDB. Em seu duro ataque de ontem a Lula, FH disse e repetiu duas vezes: ¿Eu não sou igual a ele¿. Outros tucanos negaram estar conversando com petistas sobre alguma forma de pactuação. As afirmações mais duras do documento programático teriam sido inseridas ontem mesmo.

O ministro Tarso Genro, mais explícito defensor de uma pactuação, também fez circular no governo e no PT uma ¿nota de conjuntura¿ pondo alguns pingos nos is. Diz seu documento que o plano de metas do CDES (que não é governo, mas sociedade) apontou para a conveniência de se discutir uma agenda consensual para o país, mas de preferência depois de encerrado o processo eleitoral, para evitar contaminação. O que se pode buscar, diz ele, ¿é um acordo prévio de caráter pluripartidário que hierarquize os temas mais relevantes¿ ¿ como a reforma política e do rito orçamentário, para conter o fisiologismo ¿ sob o compromisso de uma decisão posterior. Mas ¿sem que haja cooptação ou diluição das fronteiras entre oposição e governo¿. Tarso nega fundamento a referências de colunistas políticos a um plano de ¿rotatividade no poder¿, ou a um projeto petistas de ¿20 anos de poder¿. Aqui falamos do desejo de ampliação da coalizão para o eventual segundo governo Lula, incluindo, se possível, setores do PSDB. Ele existe, mas não é hora de tratar dele. Entende-se. Sopra forte o vento Lula e todos sobem o tom.