Título: O DUELO DA CORRUPÇÃO
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 30/08/2006, O País, p. 3

Lula e PT dizem que oposição não tem moral para criticar, provocando reação de PSDB e PFL

Pressionado pelos ataques dos adversários à corrupção em sua gestão, o presidente e candidato à reeleição pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, incorporou o tema não só em seu programa de governo para o caso de um novo mandato como também ao discurso. Mas preferiu culpar a oposição, especialmente o governo Fernando Henrique, pelo que chamou de ¿corrupção generalizada¿. Ao divulgar seu plano de governo ontem, evitou apresentar metas e abordou temas importantes para o país, como a segurança, de forma genérica. O texto culpa ainda a ¿herança negativa¿ da gestão anterior pelo não cumprimento de promessas feitas na campanha de 2002. Com isso, conseguiu provocar forte reação do PSDB, pondo a corrupção no centro do debate eleitoral.

Para Lula e o PT, o PSDB e o PFL tentam construir um discurso ¿com ênfase na ética, no crescimento ou no choque de gestão¿, mas faltam à ¿oposição neoliberal autoridade moral e credibilidade política para dar consistência a esse discurso¿. O texto acusa o governo passado não só de ¿generalizar a corrupção¿, mas também de ¿debilitar o Estado, frear o crescimento e concentrar renda e riqueza¿.

Os eixos do programa são: crescimento econômico (baseado na redução dos juros), distribuição de renda, educação, segurança pública e reforma política. O texto começa com um teor mais eleitoral que administrativo, ao exaltar as realizações do governo e culpar a oposição pelo que prometeu e não cumpriu.

¿Em outubro de 2002 o povo elegeu Lula para presidir um país corroído por profundas contradições econômicas, sociais e políticas que deixaram um legado de desigualdade, autoritarismo e dependência externa (...) Lula recebeu uma dupla herança negativa. Conjunturalmente, em 2002, o país sofria os efeitos da coligação PSDB-PFL (...)¿, dizem os primeiros parágrafos do texto.

O mea-culpa em relação aos escândalos de corrupção que abalaram o governo e o PT se resume à inclusão da reforma política como uma das prioridades do governo. Não cita uma frase sequer sobre mensalão, valerioduto, Waldomiro Diniz, sanguessugas e vampiros. O programa repete a retórica já usada por Lula de que os adversários também são corruptos.

¿Como podem falar em ética os autores da privataria que entregou grande parte das estatais em processos marcados por graves denúncias de irregularidades? Que autoridade têm os que engavetaram denúncias na Justiça ou deixaram de investigá-las nas dezenas de CPIs abafadas na Câmara, no Senado e na Assembléia Legislativa de São Paulo?¿, diz o texto.

Entre as propostas genéricas para combater a corrupção, o programa lista o fortalecimento de órgãos de controle e investigação (como a Controladoria Geral da União e a Polícia Federal), o reforço de programas de combate ao enriquecimento ilícito e à lavagem de dinheiro e a análise sistemática do patrimônio de agentes públicos.

Em entrevista na saída, Lula disse que sua orientação é apurar as denúncias de corrupção:

¿ No meu governo é assim: não tem sujeira em baixo do tapete. Doa a quem doer. Denunciem tudo o que for para denunciar que nós vamos apurar. Mas não se trata de condenar as pessoas previamente.

Segundo o chefe da equipe do programa, Marco Aurélio Garcia, o objetivo das citações ao governo anterior não é a disputa política:

¿ Nos sentimos na obrigação política e intelectual de iniciar o texto chamando atenção para as dificuldades do início de governo, sem pretensão de fazer disso um processo de ajuizamento, mas simplesmente para tentar mostrar que tínhamos dificuldades.

¿Temas polêmicos tiveram peso pequeno¿

Garcia admitiu que os escândalos são tratados como secundários:

¿ Não quisemos fugir a temas polêmicos colocados pela oposição, mas demos a eles um peso relativamente pequeno ¿ disse.

Segundo ele, o fato de ter poucos números não impede o programa de ser consistente.

¿ Evitamos quantificar metas. Mas o programa é bem concreto. A concretude não necessariamente reside nos números. Os números muitas vezes podem ser enganosos, podem precipitar determinados juízos ¿ disse ele.

Sobre o fato de o texto não mencionar metas concretas, Lula disse:

¿ Brinco que eu queria que a imprensa lesse o programa de 2002. No programa está dito que o Brasil precisa criar dez milhões de empregos. Hoje eu poderia repetir esse número ou mais, porque a sociedade cresceu. O que não queremos é ficar vítimas de especulação e números.

Para Lula, governar ¿não é executar um ato pessoal, é executar o mais próximo das vontades coletivas¿. E disse acreditar que, daqui para frente, será mais fácil do que foi até agora.