Título: ATAQUE À POBREZA COM PRESTAÇÃO DE CONTAS
Autor: JOHN G. WILLIAMS
Fonte: O Globo, 30/08/2006, Opinião, p. 7
Omundo desenvolvido gasta cerca de US$60 bilhões anualmente em ajuda aos países subdesenvolvidos e, ainda assim, a pobreza e o desespero que essa ajuda deveria diminuir parecem não ter fim. ¿Pobreza zero¿, ¿Cortar pela metade a mortalidade infantil até 2015¿ etc. ¿ os slogans continuam a aparecer, mas o progresso real e duradouro é difícil de ser notado. Por que todo esse dinheiro parece ir para um poço sem fundo? E quais seriam as sugestões para aumentar a eficácia da nossa ajuda?
Talvez devêssemos examinar a nós mesmos, no mundo desenvolvido, e perguntar o que é que nos torna prósperos e que parece estar faltando no resto do mundo.
Um conceito presente no mundo desenvolvido, mas que normalmente não existe ou é tênue nos países pobres, é o de prestação de contas. Temos de prestar contas por nossas ações e realizações. Respeitaremos as regras ou pagaremos o preço por desrespeitá-las.
A prestação de contas poderia ser definida com ¿forças fora do nosso controle que fazem com que pensemos e ajamos de uma determinada maneira¿, com ênfase em ¿forças fora do nosso controle¿. Nosso desempenho no trabalho deverá ser satisfatório, se quisermos manter o emprego; devemos pagar nossas contas pontualmente, se quisermos ter um bom crédito; devemos respeitar sinais de trânsito e limites de velocidade para evitar multas. São apenas alguns exemplos de uma rede complexa de prestação de contas montada para criar uma sociedade próspera baseada em comportamentos éticos.
O setor privado presta contas pressionado pelos concorrentes e pelos regulamentos governamentais. Ainda que o concorrente esteja fora de controle, o mesmo pode não ocorrer, no entanto, com um regulamento governamental ¿ por exemplo, se uma empresa consegue influir nas normas governamentais para obter vantagens especiais, como licitações preparadas para atender às especificações de um produto da companhia.
No caso dos governos, é pior: não existe concorrência e seus próprios regulamentos obviamente não estão fora do seu controle. Então, de que modo um governo presta contas?
Numa democracia, os governos devem prestar contas ao Parlamento. Os parlamentares são escolhidos pelos eleitores para supervisionar o governo. Entretanto, todo partido político procura conquistar o governo e obter a maioria parlamentar na época de eleições, para apoiar o seu programa de governo. Este fato, combinado com regras criadas para recompensar o apoio ao governo e punir a individualidade, assegura que o Parlamento não seja uma força totalmente fora do controle do governo.
Os parlamentos se desenvolveram como órgãos de supervisão de governos democráticos, com quatro responsabilidades específicas:
1. Debater publicamente e aprovar legislação que dê autoridade ao governo para administrar a sociedade e prestar serviços.
2. Debater publicamente e conceder autoridade ao governo para levantar os fundos necessários por meio de impostos (o Orçamento).
3. Debater publicamente e conceder autoridade ao governo para gastar os fundos em serviços e programas específicos para a sociedade (a previsão).
4) Exigir do governo que preste contas de maneira pública.
Quando o Parlamento é independente, está realmente fora do controle do governo, age em benefício do eleitorado para assegurar que o governo realize os programas necessários, promova o crescimento sadio da economia etc.
Embora os parlamentares sejam influenciados pelo governo, a questão é: até que ponto? Que independência tem o Parlamento? Quão bem informado está o eleitorado por uma mídia livre e aberta? São as eleições justas e honestas, para fazer com que os parlamentares sejam responsáveis e prestem contas?
No mundo desenvolvido, os parlamentares devem exercer uma inspeção independente, aberta e transparente do governo, e daí decorre a nossa prosperidade. Em outras nações, os parlamentares podem estar sob o domínio de seus governos, sendo países com um só partido exemplos comuns de um Parlamento submisso. O suborno e a coerção de parlamentares são usados freqüentemente para assegurar que o Parlamento não seja uma força além do controle do governo. A intimidação de parlamentares, por vezes, incluindo prisão ou assassinato, garante que não haja prestação de contas.
Um Parlamento submisso pode ser ótimo para aqueles que estão no poder, mas gera uma sociedade pobre. Quando as pessoas que ocupam o governo roubam os impostos da nação com impunidade, não há prestação de contas. O parlamento não consegue exercer uma supervisão democrática do governo, e a sociedade fracassa.
Isso sugeriria que a ajuda estrangeira deveria se concentrar na instilação dos conceitos de supervisão democrática por parlamentos independentes e atuantes no mundo subdesenvolvido. Fazer com que o governo aumente a prestação de contas fará com que o governo ouça seus cidadãos. Ninguém vota a favor da pobreza, mortalidade infantil, analfabetismo, serviços inadequados de saúde, habitação precária e serviços municipais inexistentes, mas, quando a corrupção corre solta, é isso o que os eleitores recebem.
A não-prestação de contas por parte do governo assegura a persistência da corrupção. O roubo dos bens do Estado pelos que estão no poder continua e as massas empobrecidas têm pouca esperança de que o governo atenda às suas necessidades.
Sem criticar as boas intenções que estão por trás de slogans como ¿Pobreza zero¿, sabemos que a ajuda estrangeira é louvável, mas ela sozinha não é suficiente. Uma melhor governança e a prestação de contas por parte dos governos deve fazer parte da solução.
JOHN G. WILLIAMS é deputado federal no Canadá e presidente da Organização Global de Parlamentares contra a Corrupção.
N. da R.: Roberto DaMatta volta a escrever em 6 de setembro.