Título: SURPRESA NO CORTE DE JURO
Autor: Patricia Duarte, Gerson Camarotti e Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 31/08/2006, Economia, p. 27

Banco Central reduz taxa básica em 0,50 ponto percentual, para 14,25% ao ano

Às vésperas de o governo amargar o anúncio de que o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB,o conjunto de riquezas geradas pelo país) teve desaceleração no segundo trimestre, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) reduziu a taxa básica de juros (Selic) em 0,50 ponto percentual, para 14,25% ao ano, seu menor patamar histórico. A decisão, tomada por unanimidade, surpreendeu a maioria dos analistas do mercado financeiro, do setor produtivo e dos trabalhadores. Foi a última reunião do comitê antes da eleição presidencial.

O corte foi o terceiro seguido de 0,5 ponto e a décima redução consecutiva na taxa feita pelo BC, o maior ciclo desde a criação do Copom, em 1996. Em termos reais, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, os juros passaram a ser de 9,4% anuais, ainda os maiores do mundo.

Embora os juros permaneçam elevados, o Copom acabou oferecendo ao menos uma boa notícia para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Candidato à reeleição, ele, esta semana, já havia conversado com o presidente do BC, Henrique Meirelles, em São Paulo, e com os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Guido Mantega, a respeito da desaceleração do PIB e da chuva de notícias ruins ¿ que vão da carga tributária recorde ao aumento da taxa de desemprego e dos gastos públicos. Sua preocupação central é com o tamanho da fissura que esses dados podem provocar em sua campanha.

Ontem, ao anunciar o corte maior que o esperado, o BC foi mais conciso e apenas informou que continua ¿avaliando o cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação¿. Nas últimas reuniões, a autoridade monetária falava também em acompanhar o cenário macroeconômico até a próxima reunião.

PIB: projeção de expansão de 3,5%

O mercado, em sua maioria, apostava num corte de 0,25 ponto, mostrou a pesquisa Focus, realizada pelo próprio BC com analistas de cem instituições financeiras, desta semana. A avaliação levava em consideração a ata da reunião passada, de julho, quando o BC falou em ¿mais parcimônia¿ na condução da política monetária. Nesta semana, no entanto, algumas apostas começaram a se voltar para um corte de 0,50 ponto, devido ao ritmo da economia. Hoje, o IBGE anuncia o crescimento no segundo trimestre e já há quem fale em expansão de apenas 0,70% sobre o trimestre anterior, a metade do desempenho entre janeiro e março passados.

Para assessores, o presidente considerou que essa notícia negativa pode enfraquecer a tese usada pelo marketing de sua reeleição de que a economia nunca esteve tão bem. No início do ano, a expectativa no núcleo do governo era que o crescimento do PIB atingiria o patamar de 4,5% em 2006. Hoje, mantém a expectativa em 4%. Mas o mercado, também segundo a pesquisa Focus, acena com apenas 3,5%. Foi com essa projeção que integrantes da oposição já anteciparam críticas ao governo. O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), direcionou-as a Mantega:

¿ O PIB será mais medíocre do que o esperado. Com isso vamos ter o pior resultado entre os países emergentes.

O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, tentou minimizar a notícia da queda anunciada do PIB.

¿ Isso não é preocupante. A economia está bem ¿ afirmou.

Empresários e sindicalistas se uniram ontem para criticar a decisão, considerada tímida e conservadora. Para a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o Copom mantém um ritmo ¿não compromissado com o crescimento já¿.

¿ A produção lamenta ¿ disse o presidente da entidade, Paulo Skaf.

O presidente da Federação do Comércio do Rio, Orlando Diniz, também se mostrou preocupado com o crescimento econômico.

¿ Ainda estamos passando por um momento favorável na economia mundial. Mas no próximo ano a história pode ser outra. O dever de casa que o governo não fez, mantendo os gastos elevados e a carga tributária recorde, pode nos custar caro ¿ disse.

Para o presidente da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, a reativação do mercado interno depende de ¿uma intervenção radical¿ na administração dos juros.

¿ Acreditávamos que a taxa de juro fosse cair mais de um ponto percentual. Mas o governo mostrou que não pretende rever sua política de redução gradual e pífia da Selic ¿ comentou o sindicalista.

A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) afirmou que, para que os juros permitam um maior crescimento econômico, o endividamento interno e as despesas públicas devem ser menores.

Pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que a redução ao consumidor será pequena. Na média das taxas cobradas por bancos, comércio e financeiras, os juros devem passar de 7,52% para 7,48% ao mês ¿ uma queda de 0,53%.