Título: ALFONSÍN DEFENDE LEIS DO PERDÃO
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 31/08/2006, O Mundo, p. 33

Ex-presidente depõe em julgamento de repressor e diz que Kirchner quer reinventar a História

Pela primeira vez, o ex-presidente da Argentina, Raúl Alfonsín (1983-1989), responsável pela implementação das chamadas leis do perdão, prestou depoimento no julgamento de um ex-policial, acusado de ter violado os direitos humanos durante a ditadura (1976-1983). Convocado pelo advogado Luis Boffi Carri Pérez, encarregado da defesa do ex-diretor de Investigações da polícia da província de Buenos Aires, Miguel Etchecolatz, o ex-presidente argentino assegurou que quando seu governo defendeu a aprovação das leis de Obediência Devida (1987) e Ponto Final (1986), que na época beneficiaram entre 1.500 e 2 mil militares e civis, entre eles, Etchecolatz, ¿a democracia estava em risco no país¿. Alfonsín aproveitou o inédito depoimento nos tribunais da cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires, para alfinetar o presidente Néstor Kirchner.

¿ Kirchner quer reinventar a História. Ele não pode dizer que nos últimos 20 anos nada foi feito em defesa dos direitos humanos no país (declaração feita pelo presidente argentino nos atos em repúdio aos 30 anos do golpe de Estado, em março passado) ¿ afirmou ontem o ex-presidente, visivelmente irritado. ¿ Basta observar os demais países da região. No Brasil, houve uma anistia, não houve perseguição. No Uruguai, a mesma coisa. Aqui, na Argentina, os militares foram julgados.

Minutos depois de terminado o depoimento de Alfonsín, o chefe de gabinete, Alberto Fernández, fez questão de defender o atual governo.

¿ Este governo foi o único que permitiu o julgamento de genocidas ¿ disse Fernández, durante um discurso no Congresso.

Ex-presidente nega ter sido extorquido

O julgamento de Etchecolatz, que começou em junho passado, foi o primeiro a ser reaberto graças à anulação das leis do perdão. O tribunal de La Plata deve anunciar a sentença até meados de setembro.

¿ Esperamos que ele seja (Etchecolatz) condenado à prisão perpétua. Menos do que isso seria injusto ¿ disse o advogado Alejo Ramos Padilla.

Segundo investigações judiciais, o ex-policial, que esteve à frente do departamento de Investigações da polícia da província de Buenos Aires entre março de 1976 e dezembro de 1977, era considerado o braço direito do já falecido general Ramón Camps, chefe da polícia provincial durante os primeiros anos do governo militar. Etchecolatz, atualmente detido na prisão de Marcos Paz, na província de Buenos Aires, foi acusado de ser o responsável pelo seqüestro e posterior assassinado de seis pessoas.

¿ Me parece muito importante que este e outros casos possam ser julgados. Aprovamos as leis (do perdão) com muita dor e me agrada saber que hoje é possível julgar o que na época era impossível ¿ declarou Alfonsín.

O ex-presidente repetiu várias vezes que ¿meu governo quis evitar a interrupção da democracia, tentamos pacificar o país¿:

¿ Eu estava condicionado pela pressão das Forças Armadas, não podemos esquecer que na época houve três levantes militares, foi o que se chama um golpe de estado técnico. Nós salvamos a República. Tudo isso enfraqueceu meu governo, a democracia estava enfraquecida.

,Alfonsín negou ter sido extorquido pelos militares, mas assegurou que era fundamental adotar medidas para aliviar a tensão no país.

¿ Os chefes do Estado Maior defendiam as instituições, mas também me informavam sobre qual era a situação. Era necessário buscar soluções, pois não tínhamos a força necessária para julgar militares da ativa ¿ explicou o ex-presidente, a única testemunha convocada pela defesa de Etchecolatz que foi ao julgamento.

Também foram intimados a depor os ex-presidentes Maria Estela Martínez de Perdón (1974-1976) e Italo Argentino Luder (que em 1975 assumiu interinamente), mas ambos alegaram motivos de saúde para faltar.

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