Título: FMI DÁ MAIS VOZ A EMERGENTES
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 02/09/2006, Economia, p. 39

Brasil, Argentina e Índia ficam fora de elevação de quotas e criticam reforma do organismo

OFundo Monetário Internacional (FMI) decidiu reconhecer a importância dos países emergentes na economia global e proceder à reforma de seu sistema de quotas, numa manobra vista como uma forma de rebater as críticas de que o organismo estaria perdendo sua relevância. China, Coréia do Sul, Turquia e México ganharão quotas maiores. Só que a reforma atraiu críticas de outros emergentes ¿ Brasil, Argentina e Índia ¿, que acreditam estar mal representados, haja vista sua importância econômica, no atual sistema de quotas do FMI.

A posição tomada por Brasil, Argentina e Índia ¿significa uma forte rejeição por parte dos principais mercados emergentes¿, disse à agência de notícias Reuters uma fonte do FMI, em Washington.

¿ Juntos, têm uma voz importante ¿ afirmou a fonte.

Na reunião dos ministros da Fazenda do Mercosul ontem, no Rio de Janeiro, o tema da reestruturação do FMI tomou grande parte das discussões. O ministro Guido Mantega disse que o encontro serviu para tirar uma posição comum do bloco sul-americano sobre o aumento das quotas para China, México, Coréia e Turquia.

¿ Eles já participam do Fundo Monetário, mas têm uma participação que é desproporcional à sua importância. Porém, existem algumas controvérsias em relação a isso. Nós, do bloco de países sul-americanos, e juntamente com a Índia, achamos que a nossa participação no Fundo deve ser maior. Nós mantemos uma representação que não é proporcional à nossa importância econômica e política nos tempos modernos. Essa situação que lá está é uma situação do passado, que colocava outros países numa posição mais forte ¿ afirmou o ministro.

Mercosul defende fundo de contingência

Felisa Miceli, ministra da Economia da Argentina, endossou as palavras de Mantega, afirmando que, depois dessas mudanças no FMI, serão estabelecidos os critérios, regras e metodologias para esse aumento de participação.

¿ Os países em desenvolvimento deveriam aumentar sua participação em detrimento de outros países numa segunda etapa de reestruturação. A vantagem será maior acesso aos financiamentos, de acordo com o estatuto do Fundo ¿ disse Felisa.

Os ministros do Mercosul também vão levar à reunião anual do FMI, este mês, em Cingapura, um pleito comum: a criação de um fundo de contingência ao qual os países pudessem ter acesso sem condições predeterminadas. Seria uma espécie de linha com aprovação automática, sem a exigência de revisões nas políticas econômicas adotadas pelos países.

A reforma do sistema de quotas tenta corrigir algumas disparidades no FMI. A China, cuja economia cresceu 10,2% ano passado, por exemplo, tem praticamente o mesmo número de votos que a Bélgica.

¿ Para fazer frente a desafios globais, precisamos ter certeza de que a voz e a representação dos membros seja adequada, e o sistema que determina a governança do Fundo, o mais transparente possível ¿ disse o diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato.

As mudanças afetam as quotas dos membros do Fundo, que determinam seu poder de voto e seu acesso a financiamento. Os votos básicos de todos os 184 membros vão dobrar, para que ninguém saia perdendo com a reforma, especialmente os países mais pobres. Os quatro países cujas quotas serão alteradas são os únicos que, segundo o FMI, estão sub-representados em todos os critérios para estabelecer o poder de voto. E é nesse ponto que Brasil, Argentina e Índia discordam.

A elevação das quotas de China, Coréia do Sul, México e Turquia foi aprovada na noite de quinta-feira pelos 24 diretores do FMI e deve ser adotada já na próxima reunião anual do organismo, nos próximos dias 19 e 20, em Cingapura. Rato quer fazer mais reformas até 2008, renovando o organismo, dominado hoje por Estados Unidos, Japão e Europa.

Mas essa mudança não sairá de graça para os países beneficiados. Com a reforma, a China terá de pagar US$2,26 bilhões para elevar sua quota no FMI. Com isso, sua participação no total de votos do Fundo passará dos atuais 2,94% para 3,65%. A Coréia do Sul, por sua vez, terá de desembolsar US$1,92 bilhão, a fim de que sua fatia de votos passe de 0,76% para 1,33%. O México terá de pagar US$843 milhões, e sua participação passará de 1,20% para 1,43%, enquanto a Turquia terá de repassar ao Fundo US$338 milhões, para que seu peso passe de 0,45% para 0,55%.

Organismo terá mais mudanças até 2008

Além dessas mudanças, a diretoria do FMI aprovou um programa de reforma que deve ser completado até a reunião de setembro de 2008. Depois do encontro em Cingapura, o Fundo vai discutir uma nova fórmula de cálculo para as quotas de seus membros. Atualmente, os critérios são o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto das riquezas produzidas em um país) do membro; sua abertura comercial; a ¿variabilidade¿ de sua economia, ou seja, se o crescimento é volátil ou não; e o volume de suas reservas. Os EUA querem que o PIB ganhe um peso maior. Se, por um lado, isso aumentaria o poder de voto da China, por outro manteria o papel dominante dos americanos na tomada de decisões do FMI.

A nova fórmula de cálculo para as quotas deve estar pronta até setembro de 2007. Depois haverá outra elevação de quotas, com base no novo critério.

Em uma entrevista à Reuters antes da reunião do conselho diretor do FMI, na quinta-feira, os representantes da Índia no organismo disseram que a proposta não levaria a uma mudança significativa. Bhabani Misra, diretor-executivo da Índia para o Fundo, disse achar pouco provável que os países ricos, especialmente da Europa, avancem em seus compromissos de renunciar ao poder de voto na segunda fase das reformas.

Já Tim Adams, subsecretário do Tesouro americano para Relações Exteriores, afirmou que seu governo está satisfeito com a proposta inicial de reforma.

(*) Com agências internacionais