Título: Partidos e caciques
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 03/09/2006, O GLOBO, p. 2

A disputa presidencial entra em compasso de espera, aguardando pesquisas mais esclarecedoras sobre o efeito-pancada dos programas de Geraldo Alckmin e Lula e dos números negativos da economia. Nos estados, segue o baile eleitoral, indicando algumas alterações na vida interna dos partidos e na força dos caciques.

O voto é urbano e a facha da é democrática, mas as fontes do poder no Brasil ainda estão muito concentradas nos feudos, nas oligarquias e nos caciques. O PFL será mais de ACM e mais nordestino; o PSDB menos paulista, mas cindido entre a liderança de Aécio Neves e a de José Serra; o PT estará mais que nunca fundido à figura de Lula. O PMDB será o que sempre foi, com fortalecimento da ala lulista, se Lula for reeleito. Os partidos menores vão tirar seu destino das urnas, do voto para deputado, e não para governador ou presidente.

O menos caciquista dos partidos sempre foi o PT, agora mais que nunca o partido de Lula. Ele assume isso quando diz ¿o vermelho sou eu¿, em resposta a questionamentos sobre a nova estética de sua campanha, que põe o partido e sua cor em segundo plano. Nesse mesmo evento, o encontro com os intelectuais paulistas, recordou a origem de sua ascensão sindical. Foi eleito num acordo entre ¿a pelegada¿ e os comunistas do PCB, cada qual pensando em tutelá-lo. Fez que aceitou e virou presidente de fato do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. No governo, livrou-se dos que achavam que ele comia em suas mãos, como Dirceu e Palocci. Se for reeleito, uma incógnita é o que fará com a diretoria atual do Banco Central. Seu presidente, Henrique Meirelles, gaba-se de ter ajudado Lula a colher sua popularidade de hoje ao manter as metas de inflação. Mas foram os juros altos prolongados, quando isso já não era mais necessário, na visão de boa parte dos analistas, que produziram a retração da economia que a oposição agora brande na campanha. Quem sobe no PT, resultado da eleição à parte, são os que nunca tiveram a pretensão de ser donos de Lula: Guido Mantega e Dilma Rousseff, Ricardo Berzoini, Paulo Bernardo, Jorge Viana, Patrus Ananias e Fernando Pimentel, o prefeito de Belo Horizonte que Lula gostaria muito de ter na área econômica de um eventual segundo governo. O paradoxo é: quanto mais forte Lula, mais fraco o PT nos estados. Terá, no máximo, três governadores de estados-satélites.

O PSDB não está com a menor moral para falar em fidelidade partidária, um dos pontos da reforma política que Alckmin (e todo mundo) defende. Quando o presidente do partido, Tasso Jereissati, não trabalha para o candidato do partido em seu estado, Lúcio Alcântara, os outros se sentem liberados. Quando José Serra fala que, se eleito governador de São Paulo, como deve ser, trocará todo o secretariado, está desqualificando a equipe de Alckmin, que o pefelista Cláudio Lembo manteve. Com Serra e Aécio eleitos no primeiro turno, começará o duelo para 2010. Alckmin, se perder, será fósforo riscado. Jereissati, que preside o partido com um centralismo antipático aos tucanos, sairá enfraquecido no Ceará, quer ganhe Lúcio, com quem rompeu, quer ganhe o irmão de seu amigo Ciro, Cid Gomes. Amizade à parte, eles são Lula. Em baixa, os tucanos da ala pitbull, como Arthur Virgílio (que amarga um terceiro lugar no Amazonas), Antero Paes de Barros (na mira da CPI dos Sanguessugas) e Eduardo Paes (que não decolou no Rio). Depois da eleição, o ninho estará que é pena só. Por isso, mesmo os que já admitem a derrota de Alckmin aprovam a ofensiva final, para que ele pelo menos não tenha votação humilhante. Humilharia a todos.

Vamos ao PFL. Novamente, o único estado em que o partido terá uma grande vitória será a Bahia de ACM. O presidente do partido, Jorge Bornhausen, nem está disputando novo mandato de senador. Roseana Sarney terá votação consagradora no Maranhão, mas ela é do PFL do B. Seu pai é Lula. Saem enfraquecidos também os pernambucanos ligados a Marco Maciel, que bancaram a escolha do senador José Jorge contra a do senador Agripino Maia. Pelo andar das pesquisas, Cesar Maia sairá derrotado no Rio. Mas, desde que lhe garantam o feudo do Rio, não disputará a hegemonia no partido, que volta a ser de ACM.

No PMDB, com Lula reeleito, saem fortes os que o apoiaram, Renan e Sarney à frente. Mas a esse partido nenhuma regra se aplica. Nada indica que vão se unir, nem que Lula, reeleito, lhes ofereça a lua.

Os cinco partidos que se seguem, PTB, PP, PL, PSB e PCdoB, enfrentam a cláusula de barreira. Se cumprirem a exigência, tentarão se manter como partidos. Caso contrário, vão virar pastagem para os grandes partidos, que acabarão por absorver alguns deles. Seria bom para o quadro partidário