Título: CONTRA O CETICISMO, O VOTO
Autor: ROBERTO WIDER
Fonte: O Globo, 03/09/2006, Opinião, p. 7
Asociedade brasileira está à beira de uma encruzilhada moral, social e política. A leitura diária dos jornais do país nos remete a episódios que, se não têm a carga da intolerância extremista dos infindáveis e recrimináveis conflitos do Oriente Médio, ainda assim não lhes ficam atrás em brutalidade e em degeneração social.
Brutalidade, em decorrência das atividades criminosas sobre as quais o Estado perdeu o controle, e que deixam o cidadão comum refém de ações de terror promovidas por quadrilhas de criminosos.
E degeneração, pelos péssimos exemplos que nos são dados, com preocupante persistência, por maus elementos que se apropriam da máquina do Estado para agir em favor de seus próprios e corruptos interesses. Por homens que deveriam ser os primeiros a dar mostras de desprendimento e de espírito público, e que, no entanto, com ações igualmente criminosas, apenas se encarregam de aprofundar ainda mais a descrença dos cidadãos na eficiência do Estado como guardião dos interesses maiores da nação.
É neste contexto que os eleitores, desanimados, ainda que diante de mais uma oportunidade de começar a alijar da vida pública os agentes da corrupção, limitam-se a se queixar e a cobrar das autoridades providências nas quais, em verdade, não acreditam. Ou, o que é pior, levam a desesperança às raias da negação de sua cidadania e propugnam por votos nulos ou em branco.
Nada disso! Esse, definitivamente, não é o caminho para impedir a ação de maus brasileiros. Não é o caminho para aperfeiçoar os instrumentos democráticos do país. Não é o caminho para proteger os cidadãos que labutam para prover honestamente a sua família dos bens, materiais e espirituais, que lhes assegurem uma existência digna.
O momento é de reação! O momento é de ação conjunta de todos os homens de bem deste país! Estamos nos aproximando de uma eleição que poderá ser o marco da virada moral do Brasil. Com o seu voto, os eleitores têm a força capaz de mudar os destinos da nação, de tirá-la de um destino que não é inevitável.
Não custa repetir, e desta vez com uma certeza que a torna ainda mais forte, a palavra-de-ordem que encerra a essência da democracia: TODO O PODER EMANA DO POVO! E, para ser exercido em seu nome, esse poder pode e deve ser aperfeiçoado pelo voto consciente dos cidadãos!
O povo pode, agora em outubro, sem recorrer a qualquer espécie de violência, varrer definitivamente os maus políticos do teatro de operações da democracia. O povo pode, e deve, negar apoio a essas pessoas que tanto mal têm feito ao país, seja pela degeneração dos mais altos valores do Homem, seja pela apropriação indébita de bens e valores que, em última instância, pertencem a toda a sociedade.
Este é o desafio que as próximas eleições trazem para a sociedade brasileira!
Apenas para dimensionar o espírito com que os eleitores mais conscientes devem ir para as urnas em outubro, recorro aos resultados de uma pesquisa, publicados recentemente na imprensa, sobre um episódio que tem marcado, para o bem e para o mal, as atividades políticas do país. Consultados sobre os parlamentares acusados de ligação com a chamada máfia das ambulâncias e investigados pela CPI dos Sanguessugas, 80 por cento de dois mil entrevistados em todo o país afirmaram que não pretendem votar em candidatos envolvidos no escândalo. E mesmo entre os que assim não se pronunciaram, 12 por cento esclareceram que precisariam se informar melhor sobre o episódio para opinar.
Se, por um lado, o expressivo índice revela que o grau de maturidade dos eleitores tem aumentado, por outro lado números da mesma pesquisa mostram o lado mais preocupante do espírito dos cidadãos em relação ao poder público: praticamente a metade dos entrevistados declarou não acreditar que a revelação do escândalo e a divulgação dos nomes dos envolvidos ajudarão a acabar com a corrupção no país.
Esse vezo pessimista da nossa sociedade deve preocupar todos os homens de bem do país. Os cidadãos estão céticos com o poder público! E longe de tirar-lhes a razão, nós que temos a responsabilidade de apontar os caminhos que levem este país a um futuro mais justo devemos pensar de que maneira pode-se combater o derrotismo moral dos eleitores.
Como fazer isto?
Mostrando-lhes que o voto secreto é o poder do povo para aperfeiçoar a sociedade.
Em recente palestra na nossa Escola da Magistratura, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio de Mello, cujas ações à frente do órgão máximo da Justiça Eleitoral do país os cidadãos brasileiros muito têm a agradecer, chamou a atenção para a crise em que vive o Brasil. Mas, otimista, longe de sugerir que devemos nos dobrar a essa crise, o ministro ensinou que tais atribulações podem ser enriquecedoras para o aperfeiçoamento das instituições democráticas em geral, e para o crescimento da sociedade, em particular.
Qual o caminho para isso?
O caminho passa pela conscientização do eleitor da força de seu voto. Passa pela necessidade que a sociedade tem de alijar da vida pública aqueles que não têm compromisso com os interesses maiores do povo. E para que o voto de outubro próximo seja o mais consciente possível, o eleitor precisa ir para as urnas com a premissa de que não é vítima dos maus políticos, e sim agente do resultado que advirá do pleito com o seu sufrágio.
Por isso, os eleitores devem procurar se reunir no âmbito familiar, em seu bairro, em sua comunidade, no trabalho, os jovens entre si, para discutirem as questões que estão nos jornais, as dificuldades do dia-a-dia, as promessas dos candidatos ¿ enfim, devem fazer uma análise profunda da situação para escolherem nas urnas aqueles que realmente mereçam representá-los.
Assim agindo, os eleitores perceberão que têm mais força, com o seu voto consciente, do que CPIs, do que tribunais de ética, do que o Ministério Público, do que os tribunais eleitorais.
Sobretudo, eleitores, nada de voto nulo!
Nada de voto em branco!
Está no momento de o povo brasileiro usar pacificamente a sua força, e ajudar, com o poder invencível do voto, a mudar este estado de coisas neste país.
Já se disse que os brasileiros não sabem votar. Tal afirmação carrega em si o veneno da discriminação e do elitismo, e revela uma deslavada mentira. Repito: trata-se de uma mentira, que só floresce em campo regado pela ignorância política. Para matar essa erva daninha, basta que os cidadãos, de todas as classes sociais, sejam devidamente esclarecidos. Dessa forma, os eleitores tomarão conhecimento da força que têm. Dessa forma, de nada valerão as falsas promessas e o aceno a benefícios indevidos com que os maus políticos cevam suas candidaturas. No isolamento das cabines indevassáveis, a sós com suas consciências, os eleitores podem mudar o Brasil!
E não se pense que tal tarefa está acima da capacidade do povo. Apenas no âmbito da Justiça de nosso estado e na esfera da Justiça Eleitoral temos bons exemplos de que a vontade dos homens é o combustível das transformações.
No caso do Poder Judiciário fluminense, a ação das últimas administrações tirou do nosso Tribunal de Justiça o peso de uma imagem negativa junto à sociedade, em décadas passadas, e o elevou à atual condição de modelo de atuação para diferentes instâncias de Justiça e de tribunais de todo o país.
Também a Justiça Eleitoral, seja por seu órgão máximo, seja na esfera estadual, a qual espero conduzir à altura da missão de que neste momento sou imbuído, tem dado incontáveis exemplos de ações em defesa do voto consciente do cidadão.
Há não poucas eleições a Justiça Eleitoral tem atuado no sentido de ser uma instância de defesa dos interesses maiores da sociedade, negando curso a manobras, acordos espúrios, tentativas de fraude, de uso do poder econômico e de toda sorte de artimanhas com as quais os maus políticos vão à caça de votos.
Se temos à nossa frente uma crise, temos também o alento de que ela traz no seu bojo os antídotos capazes de nos fazer enfrentá-la, e dela sair com uma sociedade enriquecida, madura e pujante. Temos belos exemplos de ações que ajudam a jogar na lata de lixo da História os atos de maus políticos, a corrupção, a esperteza, as quimeras e as mentiras. Temos, sobretudo, um povo que cada vez mais fica indignado com tais artimanhas e que tem a vontade de mudar este país e de fazer do Brasil um exemplo de ética e solidariedade, vivendo o sonho de que nosso país, o país de nossos filhos e nossos netos, seja uma terra onde cada vez mais se respeite os direitos sagrados do Homem.
Temos a vontade de mudar e a verdade do nosso lado, e é com base nesse preceito que espero conduzir o Tribunal Regional Eleitoral nessa difícil quadra. Uma quadra em que o Rio em particular e o Brasil, em geral, poderão dar um passo gigantesco rumo ao primado da ética, do progresso e do respeito ao ser humano.
ROBERTO WIDER é presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.