Título: MEIRELLES, O LONGEVO DO BC
Autor:
Fonte: O Globo, 03/09/2006, O País, p. 8

Estranho no ninho petista no início do governo Lula vira referência

BRASÍLIA. Estranho no ninho na estréia do governo petista em 2003, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, chegará ao fim de 2006 como o mais longevo dirigente da instituição no Brasil democrático. Mas não será por esse recorde que Meirelles ¿ ex-presidente mundial de um banco estrangeiro, o BankBoston, e até a posse filiado ao arquirrival PSDB ¿ será lembrado quando a administração Lula virar história. Foi do trabalho coordenado por ele, conservador e continuísta para muitos dentro e fora do governo, que saiu um dos dois trunfos eleitorais de Lula: a derrocada da inflação.

O principal benefício da estabilidade dos preços é o impacto direto no bolso. A inflação baixa fez saltar o poder de compra da cesta básica: na média do Brasil, compram-se 2,4 cestas hoje com um salário-mínimo ¿ 2,6 no Nordeste ¿ contra pouco mais de uma cesta no fim da era Fernando Henrique. A pequena variação de preços ajudou na recomposição da renda do trabalho, que cresceu 2% em 2005 após oito anos em queda.

¿ Inflação baixa é o mecanismo mais eficiente de distribuição de renda para o Brasil ¿ afirma o presidente do BC.

Esse histórico de sucesso, porém, não reflete a trajetória de Meirelles nos bastidores do poder. Deputado eleito pelo PSDB em 2002, ele não tinha o apoio da maioria dos integrantes do PT, que repetiam a tese, antes aplicada a Armínio Fraga (presidente do BC entre 1999 e 2002), de que a raposa fora posta para cuidar do galinheiro.

Primeiro confronto foi aperto monetário de 2003

O primeiro confronto foi o aperto monetário de 2003, que tentava frear a inflação mas se chocava com o discurso de Lula logo na estréia no poder. Em 2004, com a economia reaquecida, de novo Meirelles esteve na linha de tiro, uma vez que os juros não foram reduzidos de forma mais rápida para ajudar na retomada da economia.

¿ O Meirelles faz o Bolsa Família do sistema financeiro, e o Patrus faz o contraponto distributivo aos pobres ¿ diz o deputado Paulo Delgado (PT-MG).

Com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci ao seu lado, Meirelles ganhou a blindagem do presidente.

¿ O compromisso mútuo do presidente Lula e meu foi a montagem e a administração de um Banco Central independente ¿ diz Meirelles.

O cerco apertou quando, sem saber onde estava se metendo e se valendo apenas de um artigo da Lei de Falências, Meirelles vetou a proposta de um então desconhecido Marcos Valério de encerrar a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual boa parte fora comprada pelo Banco Rural. Na operação, o homem do mensalão embolsaria milhões, e, um ano depois, quitaria a dívida do PT com ele. Diante da negativa, Valério mandou recado ameaçador:

¿ Você virou o maior inimigo do partido ¿ afirmou Valério, segundo fonte com trânsito na política mineira.

Coincidência ou não, a partir daí o presidente do BC foi alvo de uma investigação por suspeita de crime eleitoral e fiscal ¿ evasão de divisas, sonegação de impostos, remessa ilegal de recursos. O episódio levou o presidente Lula, com apoio de Palocci, a lhe dar status de ministro em agosto de 2004, para garantir-lhe foro privilegiado.

O inferno astral marcou seu período de ascensão aos olhos de Lula e de dirigentes do PT. O resultado da política monetária sobre a inflação começou a aparecer em 2005. Mas sobretudo porque, quando estourou a crise do mensalão e a ofensiva de Valério no BC no caso Mercantil veio à tona, Meirelles foi, de forma inconsciente, o escudo do governo Lula no tiroteio, devido ao breque à operação.

¿ Você salvou o mandato do presidente do impeachment¿ disse-lhe um grão-petista.

Com a crise que levou à demissão de Palocci, em março, Meirelles virou fiador da política econômica. Passou a se reportar diretamente ao presidente, sem intermediação da Fazenda, a quem antes estava subordinado e que passava ao comando de Guido Mantega, ex-desafeto.