Título: LEI ANTIDROGAS É ATACADA POR TODOS OS LADOS
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 03/09/2006, O País, p. 18
Liberais querem distinção entre usuário e dependente; conservadores pedem cadeia para quem não cumprir pena alternativa
BRASÍLIA. A nova Lei Antidrogas sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que entra em vigor a partir de meados de outubro, recebe críticas dos dois lados: do setor mais liberal, a favor da descriminalização das drogas, e também do mais conservador, que considera absurdo o fim da prisão para os usuários e dependentes, como previsto no novo texto. Pela lei, quem for flagrado com droga para uso pessoal não será mais preso e nem levado para a delegacia. Cumprirá penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade ou terá que freqüentar cursos educativos.
Ex-secretário de Segurança Pública de Goiás, o senador Demóstenes Torres (PFL-GO) mal esperou a lei ser publicada no Diário Oficial e já quer modificá-la. Autor de projetos que endurecem o sistema penal, Demóstenes acha pouco o usuário que não cumprir a pena alternativa sofrer apenas admoestação verbal ou pagar multa. O senador quer cadeia de um a seis meses para quem se recusar a cumprir a pena alternativa. Do contrário, diz, a lei será ridicularizada:
¿ O impacto coercitivo é pequeno. O fato de a prisão não ter sido prevista nem mesmo no caso do descumprimento não justificado dessas medidas alternativas fará com que as punições caiam no mais completo e absoluto vazio.
¿Nem todos que usam drogas precisam de tratamento¿
Defensor da descriminalização das drogas, Fernando Gabeira (PV-RJ) critica a lei por não ter feito a distinção entre o usuário e dependente e ter previsto tratamento de saúde obrigatório. Gabeira também faz elogios ao texto e afirmou que considera uma vitória estar expresso numa lei que não se pode mais prender usuário:
¿ É positivo o Estado oferecer tratamento médico, mas se não houver vontade da pessoa, é antiterapêutico. O usuário não pode ser forçado e nem todos que usam drogas precisam de tratamento.
Para o advogado criminalista Alexandre Dumas, que atua na defesa de usuários de drogas, a lei altera pouco a realidade. Segundo ele, já há entendimento na Justiça de que o usuário não deve ir mesmo para a cadeia.
¿ Na perspectiva do usuário, a lei alterou pouco. O flagrante já está sendo convertido em prestação de serviço à comunidade ¿ disse o advogado.
Dumas critica ainda o aumento de três para cinco anos da pena mínima de quem for condenado por tráfico de drogas e também a criação da pena para o financiador do tráfico. Ele acredita que essa medida irá ¿incrementar o poder punitivo¿:
¿ E quem vai sofrer são as largas massas, o olheiro da favela, o fogueteiro, aqueles que estão no entorno do tráfico e não são exatamente os financistas, mas que pode ser interpretado assim e pegar oito anos de cadeia. É brincadeira. Quem fez essa lei assistiu a muito filme enlatado americano.
O advogado elogia, no entanto, o fato de o texto tratar como usuário quem compra droga e revende ou compartilha com amigos. Antes, era tratado como traficante. Dumas aprovou também o artigo da lei que transfere para o juiz a decisão de interpretar se a quantidade apreendida com o usuário é para uso pessoal ou para comércio.
¿ A quantidade não é critério suficiente. Tem gente que pode estar só com dez gramas, mas a droga é para vender. E outro pode ser flagrado com 200 gramas, que poderiam ser para seu consumo.