Título: PM ADMITE ENVOLVIMENTO DE POLICIAIS
Autor: Antonio Werneck e Gustavo Goulart
Fonte: O Globo, 03/09/2006, Rio, p. 27

Em dois anos de operação Navalha na Carne, corporação expulsou nove por ligações com o tráfico de drogas

Em fevereiro de 2005, dois policiais do 8º BPM (Campos) foram presos por envolvimento com traficantes de drogas da Favela Tira-Gosto. Meses antes, em novembro de 2004, um PM foi preso também por ligação com traficantes das favelas do Aço e Divinéia, em Jacarepaguá. Os três PMs já foram expulsos da corporação. São casos isolados, mas que refletem, em parte, o problema crônico da proteção ao tráfico em troca de vantagens financeiras.

O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Hudson de Aguiar, admitiu que há envolvimento de policiais de sua corporação com traficantes de drogas do Rio, mas afirma que o número de PMs flagrados nesse tipo de crime é irrisório. Segundo ele, em dois anos, mais de 300 PMs foram expulsos, metade, pelo menos, por homicídios, concussão (extorsão) e porte ilegal de armas:

¿ O mau policial não se envolve somente com uma coisa errada. Ele atua em vários ramos de atividades criminosas, inclusive no tráfico. Não tenho dúvida de que existe tráfico por causa da sensação de impunidade que se tem. No nível da corporação, nossa ótica é ¿bobeou, dançou¿.

PM quer equipamento para escuta telefônica

O corregedor interno da PM, coronel Paulo Ricardo Paúl, disse que em dois anos de operação Navalha na Carne nove policiais militares foram excluídos da corporação por ligação com traficantes de drogas. Ao todo, foram expulsos 335 PMs. Ele informou que a corporação enviou, há cerca de três meses, à Secretaria de Segurança um projeto para a compra de um Guardião, equipamento de escuta telefônica para que o setor de inteligência da PM também monitore possíveis desvios de conduta relacionados à prática de crimes militares.

No entanto, a relação promíscua entre policiais ¿ civis como militares e federais ¿ e traficantes já é do conhecimento acadêmico há mais de dez anos. Michel Misse, professor de sociologia da UFRJ, disse achar que o tráfico está em decadência, já que pesquisas acadêmicas realizadas há alguns anos revelaram um número muito maior do que dez mil pessoas trabalhando no tráfico no Rio.

¿ O que se tem são grupos de policiais que se corrompem e dão proteção aos traficantes. A relação é antiga, mas a criminalidade se baseia no fato de que tem uma mercadoria lucrativa e negocia proteção para comercializá-la ¿ analisou o sociólogo.

O pesquisador Marcelo Freixo analisa o problema criticando a política de segurança posta em prática no Estado do Rio. Ele aponta a falta de todo tipo de assistência social às camadas pobres da população como mola propulsora para a atividade dos traficantes e, por conseqüência, a extorsão praticada por policiais.

¿ Isto é reflexo da política de segurança no Rio de Janeiro nos últimos governos. Não se faz política pública de segurança, e sim controle sobre as massas pobres que vivem nas favelas da cidade. Não existe perspectiva de garantia de segurança ou de qualquer outro direito elementar para as pessoas das favelas, o Estado é absolutamente ausente para um terço da população do Rio. Não existem escolas, creches, hospitais, porém sobram ações policiais em qualquer hora do dia nas favelas.