Título: DIAS DE TEMPESTADE
Autor: Florência Costa
Fonte: O Globo, 03/09/2006, O Mundo, p. 49

Tufões e monções mais violentos castigam a Índia e inundam até os desertos

Ruas que se transformam em rios de água contaminada por fezes, urina e carcaças de animais afogados. Temporais que duram dias. Ventos que derrubam árvores, casas, viram carros, arrastam pessoas. Com água imunda pela cintura ou até o pescoço, muitas são levadas pela força das águas. Algumas pessoas conseguem se refugiar nos telhados das casas ou em cima de árvores. As cidades ficam sem água potável, sem comida, incomunicáveis, e ainda enfrentam epidemias de doenças contagiosas.

Os tufões e as torrenciais chuvas das monções são velhos conhecidos do Subcontinente Indiano. São quatro meses de violentas chuvas e ventos ¿ de junho a setembro. Mas nos últimos anos esses fenômenos se tornaram mais freqüentes e violentos, e 2006 é um exemplo claro.

Haverá cada vez menos secas e mais chuvas torrenciais, segundo o Centro Climático Nacional da Índia. Os cientistas indianos concluíram que há uma forte relação entre a temperatura do Atlântico Norte e o comportamento das monções na Índia. Um detalhado estudo feito dos últimos 30 anos mostrou que nos períodos em que a temperatura do Atlântico Norte esteve acima do normal, as monções foram mais úmidas. ¿A ligação das monções com o El Niño é bem conhecida. Mas é a primeira vez que detectamos uma relação do clima do Atlântico com as monções indianas¿, explicou B. N Goswani, diretor do Instituto Indiano de Meteorologia Tropical, em entrevista ao jornal ¿Hindustan Times.¿

As monções são ao mesmo tempo bênção e maldição. Tradicionalmente são celebradas como uma mágica transformação da terra, castigada pela seca do verão que chega a ter temperaturas de 45 graus Celsius. As chuvas são recebidas pelos agricultores como redentoras: metade das áreas de plantio depende da água das monções para produzir e 60% da população do sul da Ásia vive na área rural. Mas ao mesmo tempo as monções pioram a péssima infra-estrutura das cidades.

A costa oeste da Índia, onde fica Bombaim, é uma das regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas. As chuvas mais fortes da história do país traumatizaram os habitantes da cidade: em 26 de julho do ano passado caíram 944 milímetros de água em 24 horas. O recorde era de 575 em 1974. Mais de 400 pessoas morreram só em Bombaim. Em todo o país foram mil. Carcaças de 2.500 búfalos e vacas que boiavam nas ruas foram recolhidos na cidade. Boa parte das vítimas morreu por causa das chamadas ¿doenças das monções¿: leptospirose, hantavirose, febre tifóide, cólera, infecções gastrointestinais.

Em outras regiões, seca preocupa

Neste ano as estimativas são de 600 mortes por causa das monções na Índia até agora. Nas últimas semanas, Surat, um importante pólo de produção têxtil e de diamantes no estado do Gujarat, ficou quase que totalmente submersa. O pesadelo das epidemias de leptospirose, febre viral e a ameaça do hantavírus assustam os habitantes da localidade. Nos últimos dias houve 17 mortes por leptospirose em Surat.

Até no estado do Rajastão, famoso pelos seus desertos, fortalezas e luxuosos palácios de marajás, alguns lugares ficaram submersos. O número de mortes é de 150, mas as autoridades locais acreditam que esse total deverá dobrar com o trabalho de resgate feito por mergulhadores.

Uma das áreas mais castigadas é Barmer, um distrito no Deserto de Thar, que nos últimos seis anos amargava uma seca. Dunas de areia estão cercadas por lagos, onde os mergulhadores tentam achar mais corpos. Cerca de mil pessoas estão ilhadas em 18 vilarejos numa área de cem quilômetros quadrados. A situação é pior nessa área desértica por causa dos minerais não porosos no subsolo, que impedem a absorção da água.

Os habitantes nem sabiam como se proteger da enchente. ¿Muita gente se fechou dentro de casa, achando que a água não ia entrar, em vez de fugir para áreas mais seguras¿, testemunhou Krishna Pathak, um coletor de impostos, ao jornal ¿Hindustan Times¿.

¿A natureza não tem sido amistosa com as pessoas que moram no deserto. Não estamos preparados para enfrentar enchentes¿, lamentou Magh Jain, morador de outra cidade do Rajastão, Barner. Algumas espécies de plantas medicinais da região estão ameaçadas até de serem extintas, segundo Suresh Kumar, chefe do Departamento de Plantas Ecológicas do Instituto de Pesquisa do Semi-árido. Mas a seca está castigando locais onde deveria estar chovendo nessa época, como o estado de Assam. O mesmo acontece no estado de Bengala Ocidental.

Os tufões começaram a atacar em maio em Filipinas e Vietnã, onde 240 pessoas morreram. O tufão Papiroon matou 80 na China no início de agosto. O Saomai chegou uma semana depois deixando um rastro de quase 500 mortos no sudoeste da China e afundando mais de 900 barcos. O Paquistão agora amarga enchentes e deslizamentos de terra, com dezenas de mortos.