Título: JAPÃO AGUARDA O SEU ÚLTIMO BEBÊ IMPERIAL
Autor: David McNeil
Fonte: O Globo, 04/09/2006, O Mundo, p. 18

Somente homens podem herdar o trono e filho da princesa Kiko decidirá destino de dinastia de dois mil anos

LONDRES. Esta semana os olhos da maioria dos japoneses se voltarão para o quarto de um hospital particular, no centro de Tóquio, onde uma mulher de 39 anos dará à luz seu bebê, numa cesariana. Quando o bebê chorar pela primeira vez, programas de TV serão interrompidos, políticos farão discursos e grandes jornais distribuirão milhões de cadernos especiais: de quatro páginas, se o bebê for um menino; de duas páginas, se for menina.

Este bebê especial nascerá na quarta-feira em meio a uma grande controvérsia e carregará o peso da mais antiga monarquia do mundo. Se for menino, herdará um dia o trono de uma dinastia que fincou suas raízes há mais de dois mil anos. Se for uma menina, chegará ao mundo sob um grande e coletivo desapontamento.

Esta é a política sexual que cerca aquele que pode ser o primeiro menino a nascer na família desde 1965. Oficialmente, o governo, como disse o porta-voz Shinzo Abe, espera que a princesa Kiko ¿ mulher do príncipe Akishino, filho mais novo do imperador Akihito ¿ tenha um bebê saudável, qualquer que seja o sexo. Extra-oficialmente, o governo torce para que o bebê seja um menino, o que evitaria o risco de extinção da família imperial.

Os japoneses sabem que não haverá uma outra chance para a família imperial. Aos quase 40 anos, e após uma complicada gestação que a levou ao Aiiku Hospital dia 15 de agosto para evitar um possível parto prematuro, a princesa Kiko certamente jamais terá outro filho. Sua cunhada Masako, que fará 43 anos, por sua vez, ficou tão arrasada por abandonar sua carreira diplomática para viver sob as restrições da casa imperial que cresceram rumores de depressão crônica, divórcio e coisas piores, após ela ter dado à luz à terceira menina da última geração, a princesa Aiko, de 4 anos.

Como esposas dos dois filhos homens do imperador Akihito ¿ o príncipe herdeiro Naruhito e Akishino ¿ essas mulheres são a última esperança de um herdeiro homem. A outrora frondosa árvore genealógica da família imperial foi podada com as reformas do pós-guerra, que proibiram as concubinas. Sem nova mudança nas leis, que permita a uma das três filhas dos príncipes a assumir o trono, a família imperial morrerá com Naruhito e Akishino.

Polêmica revela força do conservadorismo japonês

Os tradicionalistas defendem o mito de que o imperador Akihito é um descendente direto da divindade solar Amaterasu e o pai da raça pura japonesa. Estas idéias de pureza racial foram oficialmente banidas da política no país, mas ainda sobrevivem em setores conservadores, como descobriu o premier Junichiro Koizumi no começo do ano, quando tentou mudar a lei da sucessão para permitir que a filha da princesa Masako, Aiko, assuma um dia o trono.

Apesar de o apoio popular à revisão ultrapassar 80%, os conservadores, muitos do partido do premier, o Partido Liberal Democrático (PLD), a condenaram duramente. O líder do PLD, Hiroyuki Hosada, advertiu que a questão poderia dividir o país e 170 parlamentares assinaram petição suprapartidária contra à mudança.

O ex-ministro do comércio Takeo Hiranuma advertiu que seria inaceitável que Aiko, imperatriz, se envolvesse com um estrangeiro de olhos azuis e seus filhos se tornassem um dia imperadores do Japão. O primo do imperador, príncipe Tomohito, sugeriu a volta das concubinas.

O futuro japonês depende, portanto, do sexo do bebê que nascerá na quarta-feira. Se for menino, há previsões de um impulso na economia de US$200 milhões. Se for menina, não há previsões econômicas, mas feministas acreditam que ela forçará o país a se tornar menos machista.