Título: A retórica e outros dados
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/09/2006, O GLOBO, p. 2

Ao aceitar os reclamos do PT contra os programas de Geraldo Alckmin que começaram a exumar os escândalos de corrupção de 2005, o TSE criou embaraços para a estratégia de ataque da oposição: no julgamento do mérito, a coligação PSDB-PFL pode ainda perder tempo de TV e ter que conceder direito de resposta a Lula. Mesmo assim ela será mantida, pois já se teria mostrado acertada.

Aos ataques, o comando da campanha atribui o viés de alta com que Alckmin apareceu na pesquisa do Ibope divulgada na sexta-feira, em que cresceu dois pontos percentuais. Seus índices melhoraram sensivelmente em todo o Sul, em Minas e em Mato Grosso do Sul, diz um dos coordenadores de sua campanha, o ex-deputado José Aníbal, para quem Lula enfrenta um momento ¿muito propício à quebra do encantamento¿: desemprego, crise na Volkswagen, retração na economia, problemas na agricultura etc.

Mesmo assim, ainda há gente insatisfeita com o tom da campanha. No PSDB, Fernando Henrique sugere que se bata mais, e ele mesmo dá o exemplo, com declarações e artigos virulentos. No PFL, Cesar Maia pergunta se quem manda na campanha é o publicitário ou os coordenadores políticos. Acha que os primeiros ataques ainda ficaram longe do necessário para ¿queimar a gordura de Lula¿.

Se os tucanos estão certos de que a primeira batida beneficiou Alckmin, na campanha de Lula assegura-se que ele nada perdeu com aquilo. Os dois pontos obtidos por Alckmin são atribuídos a um movimento de outra natureza. Semanas atrás, a senadora Heloísa Helena teria crescido graças ao ¿voto ruminante¿. Ela tirou eleitores de Alckmin mas depois acabou perdendo-os, ou parte deles, para Lula, que cresceu. Agora, o tucano teria crescido recuperando parte desses votos que perdeu para ela. De Lula, não teria tirado nada. E a senadora, de fato, andou caindo.

Seja como for, a campanha de Lula não sabia, até ontem à noite, como faria uso do direito de resposta, se ele for mesmo concedido. Mas uma coisa era certa. De modo algum seriam devolvidas agressões a Alckmin, na linha do que chegaram a defender alguns petistas e aliados, lembrando escândalos da era FH ou os vestidos da ex-primeira-dama paulista. A idéia é manter Lula longe desse fogaréu, que, para sua equipe de marketing, não dará voto a ninguém.

Tempo há para que ocorram ainda muitos e fortes movimentos no eleitorado. Muitos são os casos de eleições viradas nos últimos 30 dias ou mesmo na última semana. Mas há um dado novo nesta eleição, que é o voto de classe. E, para falar disso, bem vale a transcrição do que diz em seu ex-blog o prefeito Cesar Maia: ¿A campanha presidencial deste ano não esquentou até agora, mas já produziu um fenômeno novíssimo: nunca, desde que o país voltou à democracia, em 1985, houve um desgarramento tão profundo entre o voto dos pobres e o voto da classe média. Nas eleições presidenciais anteriores, o eleitorado de Luiz Inácio Lula da Silva sempre ficou eqüitativamente distribuído entre os pobres e a classe média. Desta vez, num movimento inédito, o fosso ampliou-se drasticamente, chegando a 16 pontos percentuais. Quando se comparam as intenções de voto da classe média com as de um grupo menos favorecido, formado por famílias que ganham até R$700 por mês, a diferença aumenta ainda mais, saltando para 20 pontos percentuais. A questão que intriga especialistas é a seguinte: por que as aspirações dos mais pobres e as da classe média estão separadas por tamanho abismo? O descompasso é ainda mais intrigante porque contraria um velho mito estabelecido na política brasileira: o de que, para ser eleito, um candidato tem de convencer primeiro os chamados formadores de opinião.¿