Título: IMPRESSÕES
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 06/09/2006, O País, p. 2

Os deputados voltaram em massa a Brasília, em poucas horas desbastaram a pauta volumosa e aprovaram a emenda que acaba com o voto secreto. Foram tangidos pela voz das ruas. Funcionou a pressão para que fizessem ao menos um gesto moralizador. Os relatos que vêm dos estados falam de uma campanha atípica, que pode resultar em uma Câmara melhor ou pior.

Os escândalos jogaram a imagem dos políticos e da própria Casa no chão, desmotivando o eleitor. O dinheiro está mais curto, com doadores e receptores tentando evitar o caixa dois. As novas regras, como a proibição de brindes, showmícios e outdoors, esvaziaram as ruas e esfriaram a campanha. Disso tudo resultará em alguma coisa, por ora incerta. Dos relatos ouvidos, reúno algumas notas e especulações:

1. Qualidade do voto x não-voto - Da apatia do eleitor, todos se queixam. Mas, mesmo acabrunhado, ele parece mais cuidadoso, fala em analisar melhor os nomes e evita prometer o voto. É possível que muitos estejam amadurecendo a decisão, e, se esse movimento for consistente, pode resultar numa legislatura melhor. Mas é também possível que haja uma avalanche de votos em branco. Em São Paulo, diz o deputado Fleury Filho (PTB), estima-se que esses cheguem a 25%. Apesar da tentação, é difícil votar nulo para deputado na urna eletrônica. O eleitor tem que digitar um número que não corresponda nem a outro candidato nem aos dois primeiros dígitos de algum partido, sob pena de votar em que não quer. Uma avalanche de votos em branco aponta uma piora no quadro. Cai o quociente eleitoral (mínimo exigido para que os partidos elejam deputados, obtido a partir da divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras do estado). E, com o quociente mais baixo, partidos nanicos, estreantes e aventureiros ganham mais chances de se eleger. Podemos ter mais fenômenos como Enéas, cuja votação elegeu mais quatro deputados pelo Prona. Todos viraram sanguessugas.

2. Mudança e renovação - O desencanto e o desinteresse aparentemente favorecem a renovação da Câmara, a busca de novos nomes, embora isso não seja garantia de melhora. As novas regras, entretanto, favorecem os que já são deputados, pois seus nomes já são mais conhecidos. Ninguém aposta numa taxa provável de renovação. A maior, nos últimos anos, foi a de 1990, que bateu em 62%. A menor, em 1998, de 43%. Algo em torno de 50% parece razoável.

3. Crise do modelo de financiamento - Todos se queixam da falta de dinheiro. Alguns confessam, reservadamente, que é difícil resistir ao caixa dois diante das contas e da necessidade, e de um doador que só aceita contribuir "por fora", mesmo temendo as conseqüências. Eles admitem que as campanhas ficaram mais baratas com o fim da distribuição de brindes, showmícios e outros chamarizes, mas, mesmo assim, são caras. "Todo esse verniz que maquiava as campanhas foi retirado e estamos tendo uma eleição mais próxima da política real", diz o deputado Raul Jungmann, prevendo que a próxima legislatura será muito mais favorável à reforma política: "Depois da crise, nenhum ocupante do Planalto, por mais louco que seja, tentará fazer maioria nos moldes antigos. Há também uma consciência de que o modelo de financiamento das campanhas esgotou-se. Por tudo isso, alguma reforma política sairá", diz ele.

A eleição parlamentar é sempre uma incógnita que nenhuma pesquisa resolve. A resposta vem mesmo é das urnas.