Título: Anistia: 'Povo brasileiro foi traído mais uma vez'
Autor: Valéria Maniero/Fellipe Awi
Fonte: O Globo, 06/09/2006, O País, p. 9

Em carta aberta a candidatos à Presidência, entidade critica 'politicagem' e cobra plano nacional de segurança

A Anistia Internacional enviou ontem carta aberta a todos os candidatos à Presidência e aos candidatos ao governo de oito estados em que cobra um comprometimento público na implementação de um plano nacional de segurança. Num vídeo que acompanha o documento, a entidade diz que "as autoridades se negam a enfrentar o problema e fazem politicagem com a vida de todos os brasileiros" e que "o povo brasileiro foi traído mais uma vez".

Na carta, a secretária-geral da Anistia, Irene Khan, refere-se à viagem que fez ao Brasil em 2003, quando, segundo ela, recebeu a garantia de políticos de todas as esferas de que seriam implementadas estratégias de segurança pública a longo prazo para coibir a violência. "Desde então, uma série de acontecimentos de grande publicidade veio enfatizar o fracasso no cumprimento dessas promessas", diz ela. Irene cita a chacina na Baixada Fluminense, onde 29 pessoas foram assassinadas por PMs, ano passado, e a série de atentados de uma facção criminosa de São Paulo este ano.

- Em 2003, Irene esteve com o Lula, com a governadora Rosinha e com o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Nenhum deles cumpriu o que prometeu. Estamos preocupados com a negligência dos governantes brasileiros - disse o pesquisador do Brasil para a Anistia, Tim Cahill.

O vídeo mostra imagens de Irene com Lula e Alckmin, além de sua visita ao Morro do Borel, na Tijuca, e ao bairro de Sapopemba, em São Paulo. São exibidas ainda cenas de prisões superlotadas e corpos sendo retirados de favelas. O narrador diz que o sistema de justiça criminal brasileiro "está à beira de um colapso".

Anistia faz críticas ao Caveirão da polícia do Rio

O material foi enviado aos candidatos ao governo dos estados de São Paulo, Rio, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Será também distribuído a 70 escritórios da Anistia no mundo. É a primeira vez que a entidade faz esse tipo de alerta a um país em processo eleitoral.

- Os políticos brasileiros têm que acabar com essa história de jogar a responsabilidade pela segurança em cima do outro - afirmou Cahill.

A carta se encerra com três pedidos da Anistia aos próximos governantes: introduzir um policiamento baseado nos direitos humanos, impedir o fluxo de armas e reduzir radicalmente os homicídios policiais.

- O Caveirão (carro blindado da PM do Rio) é um bom exemplo destas respostas a curto prazo que não resolvem nada - disse Cahill.

A Secretaria de Segurança do do Rio divulgou nota afirmando que adota uma política de "absoluto respeito aos direitos humanos" e que reduziu em 21,5% do índice de homicídios.

* do Extra

Para candidatos, a segurança é uma prioridade

Medidas sugeridas já estariam nos planos de governo

BRASÍLIA. Em resposta à carta aberta da Anistia Internacional, o candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, cujo partido está no governo de São Paulo por quase 12 anos, disse ontem que adotou leis para evitar abusos aos direitos humanos no sistema prisional paulista:

- O compromisso de São Paulo é com a lei e com os direitos humanos, tanto que não temos mais presos em cadeias nas grandes cidades. Ampliamos o sistema penitenciário e acabamos com o Carandiru. Além disso, o estado tem uma corregedoria com mais de mil policiais. Também votamos duas leis, tirando os maus policiais, seja por corrupção ou por conduta errada - disse.

Adversários na disputa, Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT) concordaram com as críticas que a Anistia Internacional fez quanto à postura de autoridades brasileiras no combate à violência. A senadora disse que tanto o governo do PSDB quanto do PT têm responsabilidade na atual crise de segurança. Segundo ela, o quadro se agravou devido à disputa eleitoral entre os dois partidos.

- A avaliação é absolutamente propícia. Hoje o maior problema da segurança pública é o debate inconseqüente, eleitoreiro entre o PT e o PSDB, que deveria reconhecer humildemente os 12 anos de irresponsabilidade no governo (de São Paulo), e o presidente Lula, que tinha obrigação de sair desse debate e coordenar um novo pacto de segurança - afirmou.

Para o senador Cristovam Buarque, a raiz do problema está na falta de compromisso dos governantes com a educação.

- O resultado é uma diferença social enorme, a falta de perspectivas de emprego para muitos jovens e, como conseqüência, o crescimento da criminalidade. Além disso, houve pouco investimento no combate efetivo da violência.

Candidatos do Rio aprovam sugestões da instituição

Candidato ao governo do Estado pelo PMDB, Sérgio Cabral, disse que as demandas da Anistia Internacional vão de encontro aos desejos da população, que quer uma polícia eficiente:

- Quando a corporação trabalha com inteligência, ela não precisa dar um tiro - afirmou.

Para Denise Frossard (PPS), medidas propostas pela instituição, como a redução dos homicídios policiais, estão previstas em seu programa de governo. Se eleita, a candidata pretende investir no treinamento dos policiais para que lidem com o crime e e com o cidadão.

Na opinião de Eduardo Paes, do PSDB, as ações de segurança pública devem ser permanentes - como sugerido pela organização - e não tratadas de maneira política, como ocorreria hoje com o atual governo.

O candidato Marcelo Crivella (PRB) não comentou a carta da Anistia Internacional dizendo não conhecer o documento.