Título: Temer sobre dívida de R$36 bi: 'Crime organizado é sonegação'
Autor:
Fonte: O Globo, 06/09/2006, O País, p. 16

Candidato do PSOL ao governo diz que cobrará débito de sonegadores e que solução para problemas do estado como favelas e desemprego depende de mudanças no modelo econômico

O candidato do PSOL ao governo do Estado do Rio, Milton Temer, diz que os principais problemas do estado só se resolverão com a mudança do modelo econômico do país e com a redução da desigualdade social. E aposta mais numa medida imediata: cobrar R$36 bilhões de créditos que o estado tem com sonegadores - a metade desse valor hoje inscrito na Dívida Ativa. O ex-deputado federal e ex-petista compara os prejuízos causados pela sonegação fiscal aos malefícios do crime organizado.

- É muito mais barato para as (grandes) empresas pagarem pelo propinoduto (...) Da mesma maneira que o Lula, em Brasília, o Garotinho sabia de tudo o que estava funcionando naquele esquema - diz o candidato.

O ex-oficial da Marinha diz que prefere seguir a política de segurança de Leonel Brizola à adotada pela governadora Rosinha Garotinho. Uma das primeiras medidas seria acabar com o caveirão, como é hoje.

Temer diz que pretende equacionar os problemas de caixa do estado, "privatizando os prejuízos" e aumentando o combate à sonegação fiscal. O ex-deputado foi entrevistado ontem pelos editores-executivos Luiz Novaes e Ascânio Seleme, pelos editores Silvia Fonseca (O País) e Paulo Motta (Rio), pelos editores-adjuntos Gustavo Vilella (Economia), Nani Rubim (Segundo Caderno) e Milton Calmon (Bairros) e pelos repórteres Cláudia Lamego, Maiá Menezes e Rogério Daflon.

Pesquisas

A que o senhor atribui o seu índice de 1% nas pesquisas enquanto a candidata a presidente de seu partido tem cerca de 17% no Rio?

MILTON TEMER:Está acontecendo um fenômeno estranho no Rio. Eu não discuto validade de pesquisa. Mas tem uma coisa muito bizarra. Os quatro primeiros colocados são pessoas do mesmo campo político, pertencem ao mesmo ideário de concepção de sociedade. No outro canto está o campo historicamente contestatório. O eleitor escolhe o modelo de sociedade na eleição presidencial. Daí para baixo há uma desvalorização do debate. Um governador de estado não resolve a vida dele (eleitor). Não existe uma autonomia estadual em legislação no país. O eleitorado progressista do Rio se acostumou a ver a mim, ao Eliomar, ao Vladimir na mesma canoa, brigando contra esse campo majoritário do PT.

Adversários

O eleitor está dividido?

TEMER: O Vladimir hoje é absolutamente fechado com a política de governo (de Lula). Apóia incondicionalmente. Mas, para o eleitor, isso não está claro. Ele passa a imagem de que se impôs na contestação. Eu encontro uma grande desvantagem para mim, por causa desse novo tipo de autoritarismo, que é a proporcionalidade do tempo de televisão em relação às bancadas na TV. Eu tenho trinta e seis segundos, ele tem quatro minutos. Quem é o candidato majoritário do Cabral? Aliás, é bom saber. O Crivella não está lá porque o candidato dele é o Lula. Ele está lá porque tem militantes da Igreja Universal. E o candidato da Denise Frossard é o Cesar Maia.

Eleitor X Segurança

Não é estranho que o eleitor não se preocupe com a eleição para governador, quando a questão da segurança está diretamente ligada à administração estadual?

TEMER: A segurança pública é de fato uma questão daqui. Aí tem uma disputa, claro. No meu caso, é incontável o número de eleitores que já sabem que sou o candidato que é contra o Caveirão. Inclusive antigos colegas da Marinha desistiram de votar em mim porque eu sou contra. Uma reportagem do GLOBO sobre a África do Sul mostrou o que eu vinha dizendo há muito tempo: que o Caveirão não é instrumento de segurança pública, mas é criado para aterrorizar populações.

Brizola ou Garotinho?

O que o senhor faria de diferente ou igual em relação às políticas de segurança adotadas por Brizola e Garotinho?

TEMER: Se eu tivesse que ter alguma referência, seria o Hélio Luz. Existe enfoque errado no debate sobre Segurança. O que é crime organizado no Rio? Por um acaso são essas quadrilhas de quase bestas-fera, soltas nas ruas, quebrando vidro para roubar rádio? Isso é barbárie desorganizada. O comércio de drogas nas comunidades carentes é a barbárie manipulada. O crime organizado está em alguns escritórios com vidro fumê na Avenida Rio Branco, está em algumas residências de luxo do Rio de Janeiro. Está na sonegação. Ajuda o crime organizado não atacar a sonegação de maneira clara, como acontece no Rio. Isso tem que ser combatido de maneira dura e com inteligência. Não adianta ter Caveirão para isso.

Mas muito disso depende de iniciativa federal...

TEMER:O que pode ser feito aqui é colocar investigação da polícia para saber como o crime organizado se organizou no estado. Nós temos responsabilidade nisso. Dizer que a responsabilidade é a fronteira do Amapá é uma saída fácil. Todo mundo sabe quem faz corrupção na política. Mas não é só isso crime organizado. Nenhum candidato cita uma coisa que parece que não existe: a dívida administrativa e a dívida ativa do estado. São R$36 bilhões. Ninguém fala nisso, porque é fundamentalmente sonegação de imposto. Eu sei o medo que o pequeno empresário tem do fiscal de receita. A demora na cobrança passa a ser negócio para as grandes redes de supermercado, de drogaria, as redes criminosas de combustíveis não pagarem imposto. Porque, em vez de pagar o imposto, eles aplicam no mercado financeiro.

Dívida ativa

Vários governos tentaram, sem sucesso, recuperar esses créditos da dívida ativa. Como o senhor faria?

TEMER: Ninguém fala nisso ou tenta resolver porque entre as grandes empresas estão financiadores de campanha. Eu digo o que vou fazer. Recuperando esses recursos surge uma sobra, por exemplo, para criar um banco público. Tomei conhecimento de uma procuradoria que eu nem sabia que existia: a Procuradoria da Dívida Ativa. Por que não cobra essa dívida? Porque é muito mais barato para essas empresas pagarem o propinoduto, com o consentimento da cúpula do governo. Da mesma maneira que o Lula, em Brasília, o Garotinho sabia de tudo que estava funcionando naquele esquema de fiscalização embaixo. Esse dinheiro, pra mim, é dinheiro de crime organizado.

Carga tributária

O senhor pretende manter as atuais alíquotas elevadas na área de energia e telefonia?

TEMER: Terei flexibilidade com os fracos, firmeza com os fortes e implacabilidade com os poderosos. O varejo contribui com 8,5% para o ICMS do Rio. A questão de tarifa tem que ser discutida em plano federal, porque tem que discutir inclusive as privatizações. O problema das tarifas não é o ICMS. É o contrato de correção anual superior à inflação. É o melhor negócio do mundo. Isso é feito de maneira totalmente draconiana, por causa das maracutaias feitas durante os processos de privatização. É um escândalo. A privatização do Banerj acabou com o sistema financeiro do estado. Não tem mais banco privado no Rio. Eles (os grandes empresários) vão sempre reclamar sempre de ICMS. Eu não faço questão de cobrar dos pequenos.

Caveirão

O senhor diz que não usará Caveirão em favelas. Como a sua polícia entraria, então?

TEMER: Para que serve um Caveirão em uma comunidade, a não ser para aterrorizar? O que faço com o Caveirão para prender alguém no meio de uma comunidade? Ele não está ali para pegar quadrilha. Eu quero o Caveirão pintado de outra cor e prestando serviço. Pára ele ali na frente, é p máximo do lugar que ele pode chegar. A causa fundamental dessa barbárie que se tenta chamar de crime organizado é a desigualdade social. É a absoluta ausência do estado prestador de serviço e a presença como repressor. Isso não resolve e São Paulo é a prova disso. A imprensa em São Paulo não tem o procedimento honesto da imprensa do Rio. Lá, eles só noticiam os casos quando chega a uma catástrofe geral. Mas São Paulo hoje está respondendo pela política de apartheid, que é típica dos tucanos em relação às comunidades mais pobres. O Caveirão é para dizer às classes dominantes que está reprimindo. A classe dominante acha que se meter o Caveirão e queimar é bom. Se eu tivesse que escolher entre a política atual e a do Brizola, e fosse dada só essa, eu não tenho dúvida em dizer que seria a do Brizola. Está muito mais perto de atender aquilo que eu vejo como prioridade, que é combater a desigualdade social, do que estabelecer a repressão como prioridade. A repressão para mim não é prioridade.

Mas o senso comum do que o senhor chama de elite, dos poderosos, também não é prender?

TEMER: Eles concordam quando não é para prender eles, só os pobres. Eu não vou eliminar o homicida, mesmo com o combate à desigualdade social. O que eu não vou permitir é que o homicida vire epidemia, em consequência da desigualdade. Eu lembro que morava em Vila Isabel, do lado de uma favela. E meu pai, nos finais de semana, subia a favela com a minha irmã. Ele gostava de olhar a paisagem de cima do morro dos Macacos. Aquilo não era estabelecido como ambiente do terror.

A partir de quando o senhor acha que isso começou?

TEMER: Quando a ditadura implantou uma política concentracionista e não fez a reforma agrária. O Brasil de 1964 tinha 70% dos seus 60 milhões de habitantes morando em áreas rurais. Hoje, o Brasil tem 180 milhões, com 70% morando nas áreas urbanas. Dizer que vai resolver isso com repressão, não vai. Reforma agrária não é reforma socialista. Eu não penso em reforma agrária para dar um terreninho para cada um. É muito mais fácil ser miserável na área urbana do que ser miserável na área rural, sem ter onde morar.

Qual será sua política para as favelas? O senhor prevê a expansão? Algum tipo de intervenção?

TEMER: A expansão de favela vai existir enquanto houver concentração de renda. Está todo mundo maravilhado com o grande investimento industrial em Itaboraí. Mas há uma previsão de quebra ambiental, de favelização e de desregulamentação urbana brutal se não forem tomadas providências. Tem que tratar de infraestrutura urbana antes de falar dessas obras. E criar condições para que esses trabalhadores não fiquem desempregados quando acabar a obra. Senão vai ter uma grande quantidade de empregados da construção civil jogada no lixo da periferia. Não quero política habitacional no estado inteiro, não. Se ficar só no interesse do capital, vai virar favela em volta.

De onde o senhor vai tirar dinheiro para isso?

TEMER: Que tal se cobrássemos a dívida ativa, se vendêssemos? Se usar o dinheiro da dívida pública, que não é cobrado deliberadamente. Se a Procuradoria não tem instrumentos para fazer a cobrança, vamos privatizar. É muito melhor.

Mas e a política para as favelas que já existem?

TEMER: Vou urbanizar, discutindo com a comunidade as soluções, como construir edifícios para derrubar casas e abrir ruas. Não pode é desapropriar nem botar na Vila Aliança, tem que construir algo lá mesmo.

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