Título: ALÍVIO NA CONTA BANCÁRIA
Autor: Eliane Oliveira e Martha Beck
Fonte: O Globo, 06/09/2006, O GLOBO, p. 29

Governo baixa pacote para reduzir juros e vai controlar empréstimos a partir de R$1 mil

O governo lançou ontem um conjunto de seis medidas para aumentar a competição bancária e reduzir o custo dos empréstimos no país. A principal é a portabilidade de salários, aposentadorias e do crédito em geral - desde o cheque especial e do CDC até o financiamento para aquisição de bens e veículos - como O GLOBO já havia antecipado. Além disso, em meio à explosão do crédito vivida no país, o pacote prevê que a Central de Risco do Banco Central passe a registrar operações de valor abaixo de R$5.000, chegando a mil reais em dezembro do ano que vem. Com isso, mais clientes poderão ter acesso a esta espécie de "carta-fiança" do BC. Os dados são sigilosos e é preciso se cadastrar para ter acesso às informações.

Outra novidade é que o cliente poderá autorizar seu banco a fornecer seu histórico a outras instituições, que poderão fazer avaliações mais precisas sobre risco na hora de conceder crédito.

No entanto, a medida considerada mais importante pelo mercado para baratear as operações de crédito, a redução do depósito compulsório que as instituições precisam fazer no Banco Central (BC), ficou de fora. Também não foi autorizada, nesta leva, a portabilidade do crédito com desconto em folha e do financiamento habitacional.

- É muito importante para o Brasil a elevação do volume de crédito para viabilizar investimentos, o consumo e a aceleração do crescimento econômico. Mas isso deve ocorrer a um custo cada vez menor - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. - Há um ano que o Copom reduz as taxas de juros. Podemos até dar os parabéns ao doutor (Henrique) Meirelles (presidente do BC). Agora, estamos tomando medidas para criar condições de maior competição e redução dos spreads (diferença entre o custo de captação dos bancos e os juros cobrados dos clientes).

Conta-salário será obrigatória

O ministro ressaltou que o volume de crédito no país, hoje em 32% do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto das riquezas produzidas no país), pode passar para 50% nos próximos anos. Mas não quis estimar quando os spreads cairão de fato:

- Não é imediato, mas estamos no caminho certo - disse.

Mantega ressaltou que as medidas estão atingindo o mercado de crédito livre, que, segundo o BC, chega hoje a R$453,5 bilhões.

O novo pacote torna obrigatório oferecer conta-salário a partir de 1º de janeiro de 2007. Os trabalhadores vão receber num banco e, se quiserem, poderão transferir o dinheiro para outra instituição sem pagar tarifas ou impostos. O trabalhador poderá dar apenas uma ordem ao banco por onde seu salário é pago para que os recursos sejam transferidos todo mês para a conta de sua escolha.

Já a portabilidade do crédito em geral vai facilitar a vida de quem quiser mudar seu financiamento de banco, pois a operação também terá isenção de CPMF e IOF. Atualmente, o cliente que quer transferir sua dívida precisa tomar dinheiro emprestado de outra instituição para quitar o débito. Agora, por ordem do cliente, um banco vai quitar sua dívida com o outro.

O governo também vai editar uma medida provisória criando o Cadastro Positivo, banco que reúne dados sobre bons pagadores e inclui informações jurídicas. Hoje, as empresas que prestam serviços de proteção ao crédito só coletam dados de inadimplência, o que aumenta o risco das operações de crédito, e também as taxas cobradas. Mas a medida é polêmica. O promotor Rodrigo Terra, do Ministério Público do Rio, lembra que já há sentença judicial que impede o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) de informar lojistas quantas vezes que o cadastro de um consumidor foi consultado:

- Não se pode transferir para terceiros, nesse caso o comerciante, o poder de decidir qual o grau de endividamento que o consumidor pode ter, se ele está com todas as contas em dia. Precisamos saber que tipo de informação constará do cadastro e como ela será usada.

Para Antônio Mallet, coordenador jurídico da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania (Apadic) , o comerciante até pode negar crédito a quem tenha um alto grau de endividamento. Mas, afirma, é preciso que os critérios sejam claros e que o consumidor tenha acesso a todas as informações desse banco.

Fernando Scalzilli, presidente da Associação dos Direitos Financeiros do Consumidor (Proconsumer), diz que o uso do Cadastro Positivo não vai reduzir os juros e contraria o Código de Defesa do Consumidor (CDC):

- A implementação do Cadastro Positivo não diz quanto tempo a informação sobre um atraso num pagamento vai ficar maculando a imagem de um consumidor. Pelo CDC, qualquer informação negativa só pode constar nos bancos de dados por cinco anos. Após o pagamento, as restrições não podem constar nos bancos. E uma medida provisória não pode mudar o CDC. Para isso é preciso que seja feita uma lei complementar que passe pelo Congresso.

Para reduzir os custos e estimular os bancos a emprestar mais, o governo também diminuiu pela metade a contribuição ao Fundo Garantidor de Crédito - que reembolsa parcialmente os correntistas em caso de quebra da instituição. A garantia dada ao cliente sobe de R$20 mil para R$60 mil.

Medidas terão pouco efeito, diz analista

As medidas anunciadas ontem não deverão ter efeito direto sobre juros e spreads, na avaliação de analistas. Para o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, mais eficaz teria sido a redução do empréstimo compulsório ou da carga tributária incidente nas operações financeiras.

- O pacote ficou aquém do esperado e, na prática, terá um impacto pífio, tímido no mercado - afirmou.

Em uma nota protocolar, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) afirmou que as medidas "contribuirão para estimular ainda mais a já acirrada concorrência entre as instituições financeiras pela preferência dos clientes".

COLABORARAM: Aguinaldo Novo e Luciana Casemiro