Título: Menos parcimônia
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 06/09/2006, Economia, p. 30

A produção industrial divulgada ontem é uma notícia um pouco melhor do que parece. Subiu apenas 0,6%, mas isso porque o dado do mês anterior foi revisto para cima. Na comparação, ele ficou menor do que se esperava, mas é porque a base subiu. Mesmo assim, a confiança do ministro Guido Mantega de que o país terá dois trimestres de grande crescimento dificilmente vai se confirmar. A grande dúvida agora é se a ata do Copom voltará a usar a expressão "maior" parcimônia.

Hoje, o IBGE vai divulgar o número do IPCA de agosto. Segundo o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, deve ficar em 0,17%. No mês de julho, ficou em 0,19%. O professor acha que o mercado, em breve, vai rever para baixo a previsão do IPCA de setembro, que ainda está em 0,30%, mas deve cair para 0,20%.

- Nós teremos neste trimestre de julho, agosto e setembro uma inflação ao redor de 0,20% ao mês. O resultado do ano pode ficar abaixo de 3,5% - calcula Luiz Roberto Cunha.

O crescimento mostra fraqueza, apesar de ontem terem saído alguns bons números que em nada alteraram a perspectiva de baixo crescimento; a inflação está baixa e vai continuar assim. Nesse contexto, a palavra "maior" na expressão usada pelo Banco Central não faz mais sentido. Essa será a primeira palavra que o mercado procurará na ata do Copom.

O ministro Guido Mantega, na entrevista que concedeu ao "Bom Dia Brasil", mostrou otimismo e afirmou que os números ruins ficaram concentrados no segundo trimestre. Para ele, a economia vai melhorar e o terceiro trimestre já tem alguns números bons, como a produção recorde de 178 mil veículos.

O terceiro trimestre tem tudo para ser melhor que o segundo (até mesmo pela questão estatística de a base de comparação ser fraca), e os dados de ontem da indústria divulgados pela CNI e pelo IBGE mostram que o ambiente é de recuperação em relação ao fraco segundo trimestre. Mas é recuperação moderada. Para o PIB crescer 4%, como Mantega espera, o país precisaria estar acelerando o ritmo de crescimento ao nível do melhor momento do Plano Real. O que não está ocorrendo.

Há fatores específicos que explicam o 0,6% de crescimento da produção industrial divulgado ontem pelo IBGE, explica o economista Sérgio Vale, da MB Associados. O número já não é lá essas coisas, e ainda tem atenuantes: um alto-forno da CSN que ficou parado em junho e que voltou a funcionar em julho provocou um aumento de 4,2% na metalurgia básica; uma plataforma da Petrobras voltou a funcionar depois de um mês parada e isso elevou em 5,2% a indústria extrativa mineral. A dúvida, pergunta Sérgio Vale, é por que a indústria não tem reagido aos estímulos da queda das taxas de juros e do aumento da renda. Setores como calçados, têxteis e móveis têm sido afetados pela competição chinesa; a queda da exportação se reflete nos dados da produção. Apesar de o saldo comercial permanecer alto, a valorização do câmbio continua afetando alguns setores.

A CNI divulgou dados positivos ontem. Em julho, no cálculo feito sem os efeitos sazonais, aumentaram as horas trabalhadas, as vendas e o emprego na indústria. "O desempenho das vendas poderia ter sido melhor, não fosse a continuidade da valorização do real frente ao dólar. No acumulado dos sete primeiros meses do ano, comparativamente ao mesmo período do ano passado, as vendas registram queda de 0,68%. No mesmo período, o real se valorizou 14% frente ao dólar, levando à queda no faturamento das firmas exportadoras", registrou a CNI em seu relatório.

Na indústria, um dos setores que mais crescem é o de produção de máquinas e equipamentos para o setor elétrico. São as turbinas e os equipamentos para as usinas hidrelétricas que estão ficando prontas. Mas são usinas iniciadas no governo anterior e não há outras entrando em operação em breve. Veja o gráfico abaixo da MB Associados mostrando que as encomendas desse setor vão cair. A conclusão da consultoria é de que o país continuará crescendo ao ritmo de 3% ao ano.

A boa notícia é que, com o crescimento fraco e a inflação tão baixa, os juros poderão seguir sua trajetória de queda. Luiz Roberto Cunha acha que os juros podem continuar caindo em 0,25 ponto percentual nas duas reuniões deste ano e nas primeiras quatro no primeiro semestre do ano que vem, chegando, em julho de 2007, a 12,75%.

INCLUI QUADRO: NO SETOR DE ENRGIA