Título: Gastos públicos que travam o crescimento
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 06/09/2006, Economia, p. 35

Carga tributária elevada e baixa expansão econômica dominaram debate sobre livro "Crônicas da convergência"

Os gastos públicos crescentes e a pesada carga tributária do Brasil explicam, em última instância, o baixo crescimento econômico do país nos últimos anos. Este foi o consenso que dominou o debate sobre o livro "Crônicas da convergência" (Topbooks), de autoria do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, na noite de anteontem, no auditório do GLOBO. Ao lado de Franco, o também economista Fabio Giambiagi e o jornalista Guilherme Fiúza discutiram os temas abordados no livro e responderam a perguntas do público, sob a mediação do colunista do GLOBO Merval Pereira.

Franco destacou que cabe ao setor privado brasileiro garantir o crescimento da economia, frente à incapacidade financeira do setor público para investir. Ele lembrou que, no auge do milagre econômico do país, na década de 70, o governo fazia investimentos da ordem de 2% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de todas as riquezas geradas pelo país ao longo de um ano). É exatamente o mesmo patamar de hoje.

Para Franco, é preciso fomentar em vez de tributar

Ou seja, o setor privado é responsável por praticamente todo o investimento feito no país, hoje em torno de 20% do PIB. O desafio, afirma Franco, é elevar esse montante:

- É preciso fazer políticas públicas e de regulação a favor das empresas e não com um intuito extrativo lusitano, no sentido colonial, de tratar as empresas com propósito de tributá-las e não de fomentá-las.

O economista Fabio Giambiagi, por sua vez, apresentou números que mostram um crescimento de quase dez pontos percentuais do PIB nos gastos primários do governo. Em 1991, esses gastos - que incluem transferências a estados e municípios, pagamento de pessoal, benefícios do INSS e outros programas sociais - respondiam por 13,7% do PIB. No ano passado, alcançaram o patamar de 22,6% do PIB.

- O Brasil constituiu uma rede de proteção social que tem poucos paralelos em países emergentes, mas que está inequivocamente associada à explicação de por que o país cresce pouco - disse Giambiagi, que é economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Para ele, a saída é reduzir os gastos com a previdência, que eram 3,4% do PIB em 1991 e, hoje, são 7,6% do PIB.

O jornalista Guilherme Fiúza, que escreveu o livro "3.000 dias no bunker", sobre os bastidores do Plano Real, chamou a atenção para a ausência desses temas no debate público, sobretudo às vésperas das eleições presidenciais:

- Todos os estudiosos estão observando que esse é um grande tema: aumento de gastos públicos, que determina aumento de carga tributária e dificuldade de crescimento. Seria um grande tema nesse período pré-eleitoral, mas não está no centro do debate. A minha grande angústia e frustração é saber: onde está a opinião pública?

Desafio é reduzir as taxas de juros

Para Giambiagi, é preciso criar idade mínima para aposentadoria

A redução das taxas de juros do país será, para os economistas da atual geração, um desafio comparável ao que foi o combate à inflação nas décadas passadas. Essa é a avaliação de Gustavo Franco, que integrou o time de economistas que criou o Plano Real. E a receita já está dada: é preciso sanear as finanças públicas. No debate no GLOBO, Franco citou os exemplos de Portugal e Espanha, países que, ao se adequarem às políticas da União Européia, reduziram seus déficits públicos e, com isso, conseguiram baixar suas taxas de juros.

Não por acaso, nesse processo, as empresas portuguesas e espanholas viram seus valores de mercado dispararem e se tornaram grandes investidoras no Brasil. Antes, com os juros altos naqueles países, era mais vantajoso comprar títulos do governo do que destinar recursos ao crescimento das empresas. Com mais vigor no setor produtivo, Portugal e Espanha reencontraram o caminho do crescimento:

- É assim que os países ficam ricos e é assim que nós vamos ficar ricos. Esse sonho está nas nossas mãos - disse Franco no debate.

Na opinião de Fabio Giambiagi, para sanear as finanças públicas, é preciso mudar as regras da previdência em duas vertentes: criar uma idade mínima para a aposentadoria e parar de conceder ganhos reais ao salário mínimo.

- Existe um mito no Brasil de que a classe média é espoliada. Mas a classe média se aposenta numa idade escandalosamente jovem - afirmou.

Outro mito a ser desfeito, defende Giambiagi, é que os aposentados são constantemente prejudicados. No entanto, ele lembrou que dois em cada três aposentados recebem um salário mínimo e que o piso teve um aumento real (ou seja, acima da inflação) de 94% nos últimos 12 anos.

O que eles disseram

"As finanças públicas são de terceiro mundo, por isso o governo tem crédito caro e curto"

GUSTAVO FRANCO Economista

"Se eu vivesse num país 'pobre' como a Noruega, teria que me aposentar aos 65 anos. Como moro num país 'rico' como o Brasil, posso me aposentar aos 55 anos"

FABIO GIAMBIAGI Economista

"Seria um grande tema (gastos públicos) nesse período pré-eleitoral, mas não está no centro do debate."

GUILHERME FIÚZA Jornalista