Título: Eleições e política externa
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/09/2006, O GLOBO, p. 2

Em seu artigo da semana passada, o ex-presidente Sarney apontou a política externa como ¿a grande ausente¿ do debate eleitoral, diferentemente do que ocorre em outros países. Debate, propriamente, não tem havido nem sobre as questões internas, mas o condutor da política externa, ministro Celso Amorim, enquanto toca uma agenda intensa, experimenta quando pode a temperatura eleitoral.

Acompanhou o presidente Lula em atos de campanha no Rio Grande do Sul e na Cidade de Deus, no Rio. Até o fim do mês, o Itamaraty tem uma agenda febril, cuja relação com a campanha ele nega categoricamente: ¿Uma tal insinuação seria produto da estupidez ou da má-fé¿, diz ele.

Para quem freqüenta as salas e auditórios do poder global, o comício na Cidade de Deus teve ter sido uma experiência e tanto:

¿ Senti-me transportado diretamente de Miami Beach para a Cité Soleil (bairro negro e pobre de Porto Príncipe, Haiti). Sempre que posso, gosto de rever todas as faces do Brasil, para não idealizá-lo.

A sucessão de eventos começa com a reunião desse fim de semana no Rio. O que foi inicialmente programado para ser uma despretensiosa reunião dos países do G-20, ¿para manter a acesa a chama¿, acabou ganhando a adesão de negociadores importantes na arena da OMC, como os Estados Unidos, a União Européia e o Japão, além de outros blocos negociadores, como o de países africanos. Amorim não esconde a satisfação: desde que houve a interrupção das negociações da Rodada de Doha, em junho, esta é a primeira oportunidade de diálogo que se abre. Embora a reunião tenha crescido, conferindo certo ¿poder convocatório¿ ao Brasil, ele não espera o impossível, como a apresentação de propostas para as negociações comerciais empacadas: ¿Mas criamos a oportunidade, todos querem deixar a porta aberta, acenar à retomada das negociações¿, diz ele.

Amanhã, o Itamaraty recebe o presidente das Ilhas Maurício, um dos menores países do mundo, e na semana que vem chega o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, primeiro governante indiano a visitar o Brasil depois de Indira Ghandi, em 1968. Amorim lembra também a visita recente de Jacques Chirac, para contestar os críticos da diversificação das alianças e parcerias do Brasil. ¿Tentam passar a idéia de que fizemos uma opção isolacionista pelos países pobres, mas os fatos estão sempre mostrando o contrário¿.

Agora mesmo, acrescenta, o contrato da Embraer com a China para a fabricação de cem aviões, um negócio de US$2,7 bilhões, desmente as afirmações de que o Brasil nada ganhou ao se aproximar da China, reconhecendo-a como economia de mercado.

Na maratona, amanhã haverá também o encontro entre o presidente Lula e o colega uruguaio, Tabaré Vasques, no Rio Grande do Sul. Terminado o encontro ampliado do G-20, haverá uma reunião bilateral com o Paraguai e uma outra do Ibas, grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul, países importantes em seus distintos continentes, que vêm buscando uma cooperação integrada a partir de suas semelhanças. Na terça-feira chega o premiê indiano. Até o fim do mês, o Itamaraty tem visitas toda semana.

Ontem, Amorim estava particularmente satisfeito com a aprovação, pela Câmara e pelo Senado, do projeto que cria o Focem, o fundo comum do Mercosul destinado a beneficiar principalmente os dois menores países, Uruguai e Paraguai, cada vez mais ressentidos com o Brasil e Argentina. O Focem, diz Amorim, ¿vai contaminar positivamente¿ o relacionamento, que anda bastante ruim.

Discutida a política externa não está sendo, até porque os concorrentes também não têm procurado fazer isso ou propor algo diferente. Alckmin diz coisas como ¿aprofundar a inserção internacional do Brasil¿, mas não explicita o significado. Se Lula for reeleito, a política externa não muda. Tudo indica que o chanceler também não, mas desse assunto ele corre.